segunda-feira, 15 de junho de 2015

MOÇA DA JANELA

Por Rangel Alves da Costa*

Jamais poderá ser visto como omissão ou indiferença, pois tentado, buscado, procurado à exaustão. Mas fazer o que diante de tantas situações de vida que nunca respondem aos nossos desejos?

Desse modo, fazer o que se ela passa e não me olha, sempre trata com indiferença, sequer um olhar ou um sorriso quando digo de sua beleza, aprecio sua graça, falo do meu contentamento em revê-la?

Fazer o que se ela ainda tem casinha de boneca, brinca com boneca de pano, permanece horas infindas no seu mundo de brinquedo e se mostra feliz e radiante com toda essa feição menina?

Fazer o que se quando sai do mundo de brinquedo fecha a porta do quarto, apaga a luz e espera as sombras da noite chegar para encontrar seu outro mundo? Certamente um mundo de solidão, de angústia e desesperança. Mas fazer o que?

Fazer o que se quando a noite cai em negrume ela abre a janela com olhos de encantamento e agonia? E a face já entristecida, porém ainda bonita e singela, vai aos poucos abrandando até deixar que uma lágrima se derrame pelo rosto. Fazer o que?

Fazer o que se é amiga de borboletas, passarinhos e colibris, das folhas que esvoaçam no vento, da cor do entardecer que se deita sobre seu rosto? E parece conversar com os animais e a natureza, dialogar com os seres encantados que chegam e fazer tudo silenciar para ouvir o seu canto.
Fazer o que se ela tem um mundo próprio e faz desse mundo a única razão de viver? Talvez possua segredos indecifráveis, mistérios não revelados, realidades que permanecem ocultas. Ninguém haveria de ultrapassar os portais desse mundo sem que sua dona estenda as mãos para conhecê-lo.


Fazer o que se ela fala somente ao diário, aos poemas escritos em velhos cadernos, às cartas e bilhetes que jamais envia para qualquer lugar? Haverá uma razão para ser assim, para não deixar que os seus pensamentos ultrapassem além da janela e, igualmente às folhas soltas, sejam conhecidos por qualquer um.

Fazer o que se gosta de manter a luz apagada e de estar avistando a escuridão do mundo lá fora pelas frestas da janela? Melhor seria abrir ao menos um pouquinho a janela para a brisa da noite entrar e a paisagem noturna chegar como recortada fotografia. Mas ela prefere apenas encostar-se à madeira e encontrar seu pedaço de mundo lá fora. Fazer o que?

Fazer o que se ela se mantém em silêncio e de repente soluça baixinho, chora sua dor sem lenço, faz da face um mar e tem vontade de naufragar? O que será que imagina em instantes assim, por que se lança em tamanha aflição, por que agoniza na noite e não esconde a tristeza durante o dia?

Fazer o que se passo diante de sua janela, lanço bilhetes e flores, faço gestos e desenho pelo ar, ensaio uma canção sublime, mas é como se nada existisse adiante? Certa feita comecei a falar e perguntei por que vivia assim triste, por que não olhava para mim e nem jamais agradecia nada do que eu lançava pela janela. Nada ela respondeu.

Fazer o que se ninguém sabe informar nada sobre ela, dizer sobre sua vida, sobre seu dia a dia, suas alegrias e tristezas, suas esperanças e desilusões? Não posso pular a janela e dentro do seu mundo revirar os continentes de sua alma.

Mas já três dias seguidos que não consigo avistá-la. Não passa de ida ou de volta, não abre a janela, não dá qualquer sinal de existência. Não sei se viajou ou simplesmente preferiu se manter trancada. Gostaria muito de saber sobre sua vida nestes dias de ausência. Mas fazer o que?

Borboletas voam tristes ao redor de seu jardim. Um pássaro silencioso faz pouso no umbral da janela. E a ventania uiva uma tristeza de lobo aflito. Nada mais sei sobre o que aconteceu. Mas fazer o que?

Poeta e cronista
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