Por Rangel Alves
da Costa*
Jamais poderá
ser visto como omissão ou indiferença, pois tentado, buscado, procurado à
exaustão. Mas fazer o que diante de tantas situações de vida que nunca
respondem aos nossos desejos?
Desse modo,
fazer o que se ela passa e não me olha, sempre trata com indiferença, sequer um
olhar ou um sorriso quando digo de sua beleza, aprecio sua graça, falo do meu
contentamento em revê-la?
Fazer o que se
ela ainda tem casinha de boneca, brinca com boneca de pano, permanece horas
infindas no seu mundo de brinquedo e se mostra feliz e radiante com toda essa
feição menina?
Fazer o que se
quando sai do mundo de brinquedo fecha a porta do quarto, apaga a luz e espera
as sombras da noite chegar para encontrar seu outro mundo? Certamente um mundo
de solidão, de angústia e desesperança. Mas fazer o que?
Fazer o que se
quando a noite cai em negrume ela abre a janela com olhos de encantamento e
agonia? E a face já entristecida, porém ainda bonita e singela, vai aos poucos
abrandando até deixar que uma lágrima se derrame pelo rosto. Fazer o que?
Fazer o que se
é amiga de borboletas, passarinhos e colibris, das folhas que esvoaçam no
vento, da cor do entardecer que se deita sobre seu rosto? E parece conversar
com os animais e a natureza, dialogar com os seres encantados que chegam e
fazer tudo silenciar para ouvir o seu canto.
Fazer o que se
ela tem um mundo próprio e faz desse mundo a única razão de viver? Talvez
possua segredos indecifráveis, mistérios não revelados, realidades que
permanecem ocultas. Ninguém haveria de ultrapassar os portais desse mundo sem
que sua dona estenda as mãos para conhecê-lo.
Fazer o que se
ela fala somente ao diário, aos poemas escritos em velhos cadernos, às cartas e
bilhetes que jamais envia para qualquer lugar? Haverá uma razão para ser assim,
para não deixar que os seus pensamentos ultrapassem além da janela e, igualmente
às folhas soltas, sejam conhecidos por qualquer um.
Fazer o que se
gosta de manter a luz apagada e de estar avistando a escuridão do mundo lá fora
pelas frestas da janela? Melhor seria abrir ao menos um pouquinho a janela para
a brisa da noite entrar e a paisagem noturna chegar como recortada fotografia.
Mas ela prefere apenas encostar-se à madeira e encontrar seu pedaço de mundo lá
fora. Fazer o que?
Fazer o que se
ela se mantém em silêncio e de repente soluça baixinho, chora sua dor sem
lenço, faz da face um mar e tem vontade de naufragar? O que será que imagina em
instantes assim, por que se lança em tamanha aflição, por que agoniza na noite
e não esconde a tristeza durante o dia?
Fazer o que se
passo diante de sua janela, lanço bilhetes e flores, faço gestos e desenho pelo
ar, ensaio uma canção sublime, mas é como se nada existisse adiante? Certa
feita comecei a falar e perguntei por que vivia assim triste, por que não
olhava para mim e nem jamais agradecia nada do que eu lançava pela janela. Nada
ela respondeu.
Fazer o que se
ninguém sabe informar nada sobre ela, dizer sobre sua vida, sobre seu dia a
dia, suas alegrias e tristezas, suas esperanças e desilusões? Não posso pular a
janela e dentro do seu mundo revirar os continentes de sua alma.
Mas já três dias
seguidos que não consigo avistá-la. Não passa de ida ou de volta, não abre a
janela, não dá qualquer sinal de existência. Não sei se viajou ou simplesmente
preferiu se manter trancada. Gostaria muito de saber sobre sua vida nestes dias
de ausência. Mas fazer o que?
Borboletas
voam tristes ao redor de seu jardim. Um pássaro silencioso faz pouso no umbral
da janela. E a ventania uiva uma tristeza de lobo aflito. Nada mais sei sobre o
que aconteceu. Mas fazer o que?
Poeta e
cronista
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