sábado, 20 de junho de 2015

DA BOCA DA MATA EM DIANTE

Por Rangel Alves da Costa*

Muitas vezes a imprensa e pessoas se confundem ao citar cidades ou municípios como sendo parte da região sertaneja. Isto talvez seja devido à inobservância da divisão geográfica e territorial de Sergipe. Mas não é fácil apontar corretamente a localização regional de determinados municípios, principalmente quando se trata de sertão. E assim, por exemplo, por que Carira é de uma região sertaneja diferente daquela de Porto da Folha ou Poço Redondo.

A complicação é oriunda da divisão da região sertaneja em Mesorregião e Microrregiões. A Mesorregião do Sertão Sergipano é formada pelos municípios da Microrregião de Carira, que são Carira, Frei Paulo, Nossa Senhora Aparecida, Pedra Mole, Pinhão e Ribeirópolis. Já a Microrregião Sertaneja do São Francisco (ou Microrregião Sergipana do Sertão do São Francisco) é formada pelos municípios de Canindé de São Francisco, Feira Nova, Gararu, Graccho Cardoso, Itabi, Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo e Porto da Folha.

Não obstante, há ainda a divisão territorial de Sergipe que prevê a divisão do sertão sergipano em dois territórios: Médio Sertão e Alto Sertão. O Médio Sertão abrange os municípios de Aquidabã, Cumbe, Feira Nova, Graccho Cardoso, Itabi e Nossa Senhora das Dores. Por sua vez, o Alto Sertão é formado por Canindé de São Francisco, Feira Nova, Gararu, Graccho Cardoso, Itabi, Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo, Porto da Folha e Nossa Senhora de Lourdes.

Por último, tem-se ainda o denominado Sertão do Baixo São Francisco, formado pelos municípios de Canindé, Poço Redondo, Monte Alegre, Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória e Gararu. Não é uma divisão territorial fácil de ser assimilada, vez que um município que está no território do Alto Sertão pode não estar na Região Sertaneja do São Francisco ou no Sertão do Baixo São Francisco. É o caso do município de Nossa Senhora de Lourdes, que faz parte apenas do Alto Sertão. E também faz parte da Mesorregião do Leste Sergipano e na Microrregião de Propriá. Deu para entender?


É realmente complicado. Mas não vejo a mesma complicação quando o que se quer apontar é onde fica o verdadeiro sertão e quais os municípios que o compõe. E para mim só há um sertão, o do São Francisco, do semiárido, da terra esturricada de tanto sol, das cactáceas espinhentas e das pedras fazendo moradia para bicho afoito e peçonhento. O sertão da vereda, da tocaia e da emboscada, da lua bonita, do povo singelo, da fervorosa religiosidade. E sertão este que começa a partir de Nossa Senhora da Glória e vai em direção a Monte Alegre, Porto da Folha, Poço Redondo até chegar a Canindé do São Francisco.

Apenas estes cincos municípios fazem parte desse mundo sertão que começa na Boca da Mata. Por mais que a geografia faça inclusões, como ocorre com Nossa Senhora de Lourdes, delimito o Alto Sertão Sergipano apenas com aqueles municípios citados acima. Falar sobre o autêntico sertão, o semiárido sertanejo, o berço da estiagem, logo se mostra um retrato já conhecido de todos. A paisagem emoldurada pelo sol ou pela lua, tendo ao fundo a feição do povo sertanejo, a catingueira ladeada pelo mandacaru e xiquexique, as cidades comumente padecentes e as moradias distantes entregues ao deus dará.

É na Boca da Mata que começa o verdadeiro sertão. E não é por outro motivo que Nossa Senhora da Glória possui também tal denominação. Boca porque passagem, abertura, começo, caminho para o sertão. E mata pelo que se encontrava mais adiante, nunca concepção mais antiga onde se tinha aquela região sertaneja como recoberta de vegetação nativa, com grandes árvores, arbustos fechados e interiores de difícil penetração. Assim, entrar na Boca da Mata significava iniciar o percurso ao mundo sertanejo.

Verdade que o desbravamento e a povoação do território sertanejo se deram através do Rio São Francisco. Os que aportaram nas margens ribeirinhas, trazendo apenas sonhos ou carregamento de animais, primeiro exploraram as margens, fincaram currais, e somente depois adentraram na mata. E assim o sertão foi sendo habitado até vingar na civilização sertaneja. Contudo, quando o povoamento interior já estava garantido, a entrada na região por terra se dava pela Boca da Mata, a partir dos caminhos de onde está hoje Nossa Senhora da Glória.

Pelo Velho Chico, o caminho das águas; pela Boca da Mata, a estrada sertão adentro. Desde os tempos mais antigos que a atual Nossa Senhora da Glória possui localização privilegiada na região sertaneja e também desde aquela época que vem se impondo como polo regional. Além de ser o portal para o mundo sertão, também o principal centro comercial e de onde saía toda a manutenção sertaneja. Em comboios de animais, caminhões pau de arara e velhas caminhonetes, os mantimentos eram adquiridos na feira de Glória e depois distribuídos pelas distâncias matutas.

Ainda hoje a feira da Boca da Mata é referência na região, bem como Nossa Senhora da Glória alcançou um patamar de desenvolvimento muito acima de outros municípios vizinhos. Mas tudo nascido num tempo antigo, bem antigo.

Poeta e cronista
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