Por José Romero
Araújo Cardoso[1] e Marcela Ferreira Lopes[2]
Desviar recursos dos lucrativos negócios com as especiarias do oriente foi uma
decisão extremamente arriscada para o reino Lusitano, mas ocupar as terras que
lhe coube quando da partilha com o Tratado de Tordesilha era essencial, pois as
incursões de corsários estrangeiros ameaçavam os domínios portugueses no novo
mundo.
Ao contrário da Espanha que descobrira metais preciosos em seu quinhão
territorial nas Américas, Portugal teve que viabilizar, bem como garantir
lucros fabulosos que compensassem o investimento na ocupação territorial
brasileira, optando pela empresa agrícola como suporte à sua política
mercantilista, a qual teria que se destinar a fabricação de um produto de larga
aceitação no mercado europeu.
O açúcar surgiu como opção imediata, pois a ausência da concorrência espanhola,
tendo em vista que estava dedicada com exclusividade à extração de metais
preciosos, viabilizou a colonização brasileira a partir da atividade canavieira
no litoral oriental nordestino.
Portugal tinha experiência de cultivo e produção de açúcar em ilhas do
atlântico. A demanda pelo produto no mercado europeu era algo tão proeminente
que há registro que açúcar foi deixado em testamentos por nobres europeus.
Clima quente e úmido, com duas estações bem definidas, a presença de solos
aluviais (massapê), bem como eluviais, oriundos da decomposição de rochas
cristalinas, fomentaram as razões para a escolha do litoral oriental nordestino
para a instalação das unidades produtivas, as quais trouxeram consigo a ênfase
à formação sócio-econômica-espacial brasileira, assentada em pilares
compreendidos pela monocultura canavieira, pelos latifúndios e pelo trabalho
escravo, inicialmente indígena, depois africano.
A expressão geográfica do domínio canavieiro estendeu-se do sul do Rio Grande
do Norte até Salvador, na Bahia. O recôncavo Baiano foi ocupado tanto pela
cana-de-açúcar como pela cultura do tabaco, tendo em vista ser esse produto
agrícola a moeda de troca por escravos no continente africano.
A presença batava foi fundamental, pois refino e distribuição ficaram a cargo
dos holandeses, os quais tiveram no açúcar produzido na colônia portuguesa nas
América condição sine qua non para estruturar notável processo de acumulação de
capitais.
Conforme Sérgio Buarque de Holanda, o quadrilátero principal e característico
do engenho de açúcar era formado pela casa grande do senhor de engenho, pela
senzala, onde eram abrigados os escravos, espaço insalubre e parecido com as
masmorras europeias da era feudal, a capela e a casa de engenho.
Ao contrário do que difundiu Gilberto Freyre, esse mundo surgido com a ocupação
territorial do nordeste brasileiro não foi marcado pela docilidade em suas
relações. Palmares, por exemplo, nunca citado em Casa Grande & Senzala,
provou que a fuga de negros para lugares ermos e distantes dos engenhos
litorâneos foi um fato que enriqueceu sobremaneira as lutas do povo brasileiro.
Os lucros auferidos com o açúcar produzido no litoral oriental nordestino
definiram que ainda no século XVI fosse fundada uma série de povoações e vilas.
Salvador tornou-se a primeira capital brasileira em razão da importância
granjeada pela atividade canavieira.
O ônus ambiental faz-se sentir até o presente momento, pois a derrubada
indiscriminada de espécies da mata atlântica pode ser elencada como o primeiro
grande impacto ambiental brasileiro, tendo em vista que espécies vegetais e
animais desse bioma encontram-se em processo de extinção devido a forma como
vem sendo agredida desde a gênese da colonização nacional.
Correspondendo diretamente às bases da formação sócio-econômica-espacial
brasileira, o açúcar tem em suas responsabilidades as diretrizes norteadoras da
ênfase às diferenças interclasses que ainda perduram de forma acintosa na
sociedade brasileira, a qual insiste em não resolver contradições históricas
que multiplicam-se cotidianamente.
[1] José
Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial
(UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA/UERN).
[2] Marcela
Ferreira Lopes. Geógrafa-UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos
com ênfase em Economia Solidária-UFCG/CCJS. Graduanda em Pedagogia-UFCG/CFP.
Membro do grupo de pesquisa (FORPECS) na mesma instituição.
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso
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