sábado, 27 de junho de 2015

A ARTE DA OPRESSÃO CORONELISTA

Por Rangel Alves da Costa*

Basta falar em opressão e logo vem à mente a ideia de sujeição, dominação, exploração, escravização, submissão e muito mais. E tudo no sentido de imposição através da força, do mando autoritário, da negação de direitos, da violência no trato com subordinados, no aniquilamento de forças que se opõem ao autoritarismo. E também a expressão famosa dizendo que o poder oprime. E como oprime. Aliás, não há nada mais opressor que o poder, seja governamental, senhorial ou hierárquico.

Coronel Anfilófio Cabroeira era mestre na arte da opressão e certamente deixou muitos discípulos. No seu reinado latifundiarista nos tempos idos, não só mandava no bicho como em gente. O tratamento era igual, e por vezes o jumento tendo mais direitos que o trabalhador de suas imensas propriedades. Uma vez sob o seu jugo, dificilmente a pessoa saía se reconhecendo como tal, e assim de tanto ser submetido às situações mais degradantes e desprezíveis ao ser humano. Procurava o trabalho duro porque precisava sobreviver e sempre achava que bastava fazer parte, receber seu salário e pronto. Ledo engano.

O velho coronel não era flor que se cheirasse, como segredava o vigário às escondidas. Mantinha o trabalhador escravizado, humilhado, sem reconhecer qualquer direito próprio do ser humano. Como dito, este era tido como bicho ou abaixo disso. Não admitia, por hipótese alguma, que outro proprietário da região pagasse valor acima daquele por ele praticado. Segundo dizia, não se podia valorizar aquilo que era feito por necessidade. E fez mais. Mandou espalhar que todo mundo já estava ganhando bem demais e que aumento de salário só depois de dez trovoadas. Ora, num lugar de seca pra mais de dois anos cada uma, esperar dez trovoadas era demais. E logo veio a insatisfação do sacrificado trabalhador.

Foi o próprio vigário que começou a colocar lenha na fogueira. Disse que queria ver agora se aquele povo todo não tinha coragem de exigir aumento imediato ao coronel. Coitado do da igreja. Assim que o poderoso soube da conversa mandou fazer emboscada na própria sacristia. E foi a partir daí que o inesperado aconteceu. Os trabalhadores cruzaram os braços e disseram que não iam mais roçar nem um tantinho assim de terra até que o coronel lhes pagasse o justo valor do trabalho. Quando soube dessa história, o poderoso nada disse, apenas chamou um capataz num canto e falou ao ouvido.


Um enviado do capataz chegou ao líder do rebelde movimento anticoronelista e disse apenas que se no dia seguinte todo mundo não estivesse pegando na enxada, vaqueirando o gado, dando comida e água aos animais, fazendo o serviço que muito bem recebiam para fazer, então não havia outra saída senão matar todo mundo. Pela ordem do coronel, àquela hora já era para o sangue estar lameando as estradas, mas o seu superior achou por bem dar aquela oportunidade. Mas estavam avisados: ou voltariam no dia seguinte ou o lanho ia se tornar em sangue, o sangue em ferida e a ferida em morte.

O líder do movimento apenas ouviu o recado, sem dar qualquer resposta ou dizer qualquer coisa. Assim que o emissário virou a curva da estrada em galope, o rebelde mandou reunir o maior número possível de trabalhadores. Precisava falar sobre o recado recebido e a ameaça de morte acaso não aceitassem as ordens do dono do mundo. Após relatar o ocorrido, o que ouviu de todos foi de espantar. Ninguém estava disposto a se dobrar ao coronel. Preferiam a morte a se ajoelhar aos pés daquele desgraçado carnicento. Então sugeriram o inesperado: Antes que mande matar, então será preciso que ele morra!

E acertaram de invadir a casa-grande assim que anoitecesse. E dariam cabo não só do velho como de qualquer capataz ou jagunço que tentasse impedir a vingança dos humilhados. Tudo acertado, só não contavam que em meio aos subjugados havia um traidor. Com efeito, sem que ninguém desconfiasse de nada, logo em seguida o cabra enveredou pelo mato e foi parar na fazenda grande. Quando soube do que se tratava, prontamente o poderoso ordenou que fosse trazido à sua presença. Foi recebido com abraço, brindou a informação com aguardente, recebeu uma boa quantia pela presteza. E também a garantia de um emprego melhor. Mas não chegou nem a atravessar a porteira. Recebeu um tiro por trás que caiu esparramado no chão.

Já sabendo de tudo, o coronel logo cuidou de dar jeito na situação. Deu ao capataz a incumbência de salvar sua vida e a de jagunçada, e utilizando o artifício da mentira. Mandou informar aos rebeldes que tinha repensado toda aquela questão e não havia como não reconhecer os seus direitos. E que todo mundo podia retomar os trabalhos já na manhã seguinte, pois a semana já seria paga com o aumento desejado. Promessa esta que acabou ludibriando a sertanejada.

O ataque foi deixado de lado e todo mundo retornou aos seus ofícios. E foi a partir de então que começou o desaparecimento de trabalhadores. Eram mortos no meio do mato pela jagunçada e enterrados em cova rasa. A situação ficou assustadora e logo começaram a suspeitar que tivesse o dedo do coronel por trás daqueles sumiços. Mas não demorou muito para que o pior acontecesse. O poderoso mandou espalhar entre os escravizados que ou faziam de conta que ninguém havia morrido e continuavam apenas fazendo o que lhes cabia, sem aumento algum, ou cada um iria pra debaixo do chão como os outros.

O coronel morreu com mais de cem anos. Já caduco, completamente insano, mas ainda assim se comprazia em humilhar, submeter, ver o sofrimento de cada humilde trabalhador.

Poeta e cronista
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