Por Rangel Alves
da Costa*
Se houvesse
rua, se houvesse lua, talvez houvesse noite e a vivência de seus encantos e
mistérios, a caminhada e o encontro com a aragem boa.
Mas não há
mais noite se não há mais rua, se não há mais lua. Instantes existem que nos
ausentamos de tudo, ainda que tudo permaneça diante do olhar.
São as
tristezas, as angústias, as aflições. As pequenas dores se juntam em sofrimento
e acabam nos tornando distantes da vida, como se bastasse um quarto escuro de
solidão.
A melancolia é
tanta que nada parece ir além das cores sombrias e entristecidas. Nem o sol nem
a lua possui significação alguma. Sequer o arco-íris é avistado nas suas cores.
A tristeza é
tanta que não há janela aberta que faça avistar o mundo lá fora. Não há
paisagem nem encanto, jardim florido ou borboleta, nada tem o dom de fingir
alegria.
A rua se
estende lá fora, chamando para a caminhada, mas não há passos que se encorajem
em seguir. E mesmo seguindo não chegariam sequer antes da curva adiante.
A solidão é
inimiga das ruas, das pessoas, das vozes, dos movimentos. Tanto faz a rua
existir ou não e também tanto faz que haja um mundo efervescente lá fora.
A angústia
bebe na cor do luar seu vinho mais forte. A lua se derrama nos olhos
entristecidos e transmuda a lágrima em vinho forte, delirantemente mortal.
A lua desce
para mortificar. Sua cor mais bela é a cor mais triste, seu mistério da noite é
o segredo da vida. Mas ela apenas finge acalantar e inunda todo o ser de
sofrimento.
Na angústia,
no sofrimento, na solidão, não há nada adiante ou em cima. Nem rua nem lua. O
que se mostra rua é percurso para quem vive, o que se mostra lua é a face da
dor.
Se houvesse
rua, se houvesse lua, talvez tudo fosse diferente. A vida clama por caminhar,
viver, viajar, sonhar, existir, sair contente para o meio da rua e sorrir e
cantar.
A vida clama
pela poesia da lua, pelo seu caderno de belas palavras, pela sua romântica
canção. É quando a lua desce que os corações se apaixonam e desejam amar.
A lua é
nostalgia, é pensamento, é recordação, é reencontro. Seu poder é tamanho que
transforma o medo da noite num portal estrelado onde a paixão pulsa
incandescente.
Mas não há
rua, mas não há lua. E se não há rua não há ciranda cantada nem mãos dadas em
festejos. E se não há rua não carteiro chegando ou cadeiras pela calçada.
Se não há rua
não há calçada nem árvore, não há ninguém chamando à porta, não há praça
adiante. Se não há rua não há pessoas, não há namorados seguindo felizes.
E se não há
lua não o mistério do despertar, não há a necessária nostalgia, não há a velha
canção trazida no vento. Sem lua é triste a noite, e triste o viver debaixo da
escuridão.
Se não há lua
não há encontro marcado, não há beijo apaixonado, não há a nudez molhada pela
cor dourada do prazer. Sem a lua apenas lobos uivantes na triste solidão.
Que tristeza
na alma não avistar nada mesmo de olhos abertos. Que angústia não sentir
vontade ou prazer em nada. Que crueldade no ser não se reconhecer sequer a si
mesmo.
A verdade é
que o sofrimento cega, a dor toma todos os sentidos, a tristeza traz consigo a
mais terrível escuridão. As flores, até as flores tão belas nada significam.
A verdade é
que a solidão, além de fechar as portas e janelas, cerra também o olhar, trava
o coração, sufoca qualquer tentativa de surgimento de alegria ou felicidade.
Numa situação
assim, quando a vida parece inexistir e em seu lugar apenas o martírio e
sofrimento, até mesmo o caminhar se faz sem ser sentido. Uma alma que vaga na
escuridão.
E como não há
nada, também não há rua, não há lua, não vida nem esperança. Tudo existe apenas
do quarto pra dentro, e sem que as quatro paredes sequer sejam percebidas.
Mas se
houvesse rua, se houvesse lua. Mas não há. E jamais haverá enquanto a dor e o
sofrimento se arvorarem do direito de negar a estrada e cegar o olhar.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário