Por Rangel Alves da Costa*
Dá-se o nome
de solilóquio o hábito de conversar sozinho, dialogar consigo mesmo, num
interessantíssimo exercício de interlocução em mão dupla. Não só conversa, num
proseado descontraído, como se indaga, pergunta e responde.
Desse modo,
solilóquio é a conversa de alguém consigo mesmo, é a reflexão onde a voz
expressa o pensamento. O indivíduo, que esteja sozinho ou não, simplesmente
dialoga consigo mesmo como se um espelho linguístico estivesse na sua mente.
Certamente que
muitos veem nesse hábito sintomas psiquiátricos, algum distúrbio mental ainda
não aflorado em loucura. Outros imaginam a loucura em qualquer um que encontre
falando sozinho. Já outros, de modo mais coerente, preferem sentir tal diálogo
no contexto das normalidades dos indivíduos.
É normal que a
pessoa converse sozinha. E fala sozinha todas as vezes que expressa sobre um
inusitado cotidiano, como o esquecimento de algo ou um aborrecimento. E fala
consigo mesma quando se permite pensar em voz alta, principalmente nos
instantes de solidão. A palavra surge, se faz ouvida pelo silêncio, e depois
vai embora sem mais consequências.
Na verdade,
nada na voz surge ao acaso. A pessoa fala aquilo que está no pensamento,
mentalizado, presente no juízo. Situações surgem na mente que começam a
instigar. A maioria apenas pensa, se preocupa, reflete na feição aquela
situação, mas outros não. Estes acabam percorrendo na voz aqueles caminhos da
mente.
Ora, se a
mente fala, se expressa através de uma linguagem, nada mais normal que a pessoa
exteriorize consigo mesma essa voz mental. É diálogo e resposta ao
inconsciente, talvez uma necessidade de expressão daquilo que urge ser
verbalizado. A palavra irrompe de uma situação de aprisionamento e depois toma
sua liberdade.
Alguns
estudiosos comportamentais denominam de amigo invisível esse outro interior que
dialoga com a pessoa. É o sujeito procurando seu espelho dentro de si mesmo e
nele encontrando alguém que possa entabular uma conversa franca. Sente no amigo
invisível a interlocução que tanto deseja.
Aliás, não há
mais conversa franca, verdadeira e real, que essa diálogo empreendido pela
pessoa consigo mesma. Não há como mentir ou dizer além do que a mente se
predispõe, pois se expressando de modo instintivo. A voz reproduz a verdade da
mente, da alma, do sentimento.
Essa
entabulação de vozes únicas é também conhecida como diálogo da consciência. A
consciência dialoga para contextualizar situações. Muitos aspectos sobre um
mesmo fato acabam provocando uma necessidade de se perguntar e se responder.
Daí que o indivíduo é encontrado falando como se estivesse conversando com
outra pessoa.
Pessoalmente,
tenho esse diálogo até como feição poética da existência. Algo singelo e
sublime e sempre instigante. Sem estar com qualquer distúrbio mental, a pessoa
de repente é encontrada envolta a um mundo que somente ela conhece a dimensão.
E um mundo de pessoas que conversam entre si através de uma única voz.
Os doidos, os
malucos, os insanos, conversam sozinhos para exteriorizar seu mundo ilusório e
dar forma à sua visão fantástica sobre as coisas e os seres. E não raro que se
expressem de modo mais coerente quando estão entabulando as conversações com o
mundo ao redor. Como a mente trabalha em labirinto, o que surge na voz é
reflexo de percepções desconexas.
As pessoas
tidas como normais são encontradas falando sozinhas em diversas situações. A
solidão por si só chama ao diálogo mental e a palavra surge quase como uma
necessidade. As recordações também têm o dom de provocar o chamado à palavra
para dizer um nome, relembrar uma situação, exteriorizar a saudade. Andando pelas
ruas, de cabeças baixas, pensativas, num instante as pessoas se voltam para um
mundo que faz até esquecer a vida ao redor. E falam de tal modo que provocam
estranhamento a quem observa.
Mas a verdade
é que quase ninguém admite que fala sozinho, principalmente por vergonha ou
temor de ser visto como portador de algum distúrbio mental. Sente-se
envergonhado se surpreendido nesse diálogo. Contudo, fato é que todo mundo fala
sozinho, seja no banheiro, sentado no banco da praça, descansando na cadeira de
balanço, mirando o horizonte. Em muitos momentos da vida há esse proseado
revelador da pessoa para si mesma.
E realmente há
muita gente falando sozinha por aí. De vez em quando sento na minha
espreguiçadeira e fico observando as pessoas passando pelas calçadas. Certamente
digo coisas que nem me dou conta, mas muito mais observo nos outros. É um monte
de gente que passa dizendo coisas que podem ser ouvidas claramente. Mas seria
maluquice minha tentar compreender porque falam tantas coisas sem pé nem
cabeça. Ou com pé e cabeça demais.
Poeta e
cronista
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