Por Rangel Alves
da Costa*
A mão não
possui impulso próprio, não tem desejo, não possui escolha, não age por escolha
própria. Tudo depende da mente, do comando cerebral para que seja direcionada.
É, pois, em obediência à mente que ela segura a caneta, apanha a folha caída,
abre a janela, leva o lenço aos olhos. Desse modo, a mão permanece inerte até
que seja despertada a uma utilidade.
A flor nasce
para viver os seus dias, a sua estação. Acaso brotada em algum lugar distante,
viverá a beleza de seus dias sem que chegue alguém para sentir seu perfume e se
encantar com a formosura e perfeição de suas pétalas. Mas se em jardim ou nas
proximidades dos caminhos, certamente que pouco tempo terá na planta, vez que
logo será levada com galho e tudo para as mais diversas destinações.
A mão inerte,
estática, sem que seja despertada pela mente, acaba tendo muito a ver com a
flor nascida e permanecida na sua planta. A mão permanece em repouso até ser
chamada, a flor permanece em descanso até que seja avistada por alguém. Mas a
partir daí, do instante em que mão e flor saem do repouso, tudo começa a se
transformar. Diferente da flor, que continuará sendo flor até secar e morrer, a
mão ora terá singeleza ora se arvorará da rudeza.
Contudo, o
destino da flor ao ser avistada passa a ser o destino que a mão que a recolhe
pretenda dar. Como a mão não age sozinha, muito dependerá do sentimento da
pessoa que a comanda para que ela tenha ou não uma digna destinação. E qual o
destino da flor ao ser recolhida, ao ser arrancada da planta? Muitos. Desde o
recolhimento do galho para em seguida ser jogada ao chão à sua utilização como
expressão mais sublime de amor.
A mão recolhe
a flor e somente a pessoa sabe o que fará dali em diante. Pessoas existem que
dão mais importância aos espinhos às pétalas coloridas e perfumadas. Pessoas
existem que preferem a poesia da flor ali mesmo na planta, permanecendo no
jardim. Pessoas existem que a separa do galho para colocar na lapela ou nos
cabelos. Outros a levam para casa e inventa um jardim num copo de água.
Muita gente
junta flor com flor e faz um buquê. O poeta recolhe a florzinha e sai
caminhando em busca de versos apaixonados. O enamorado escolhe a mais bela flor
e sai correndo até a casa da bem amada para depositá-la no umbral da janela. O
entristecido recolhe qualquer flor e vai deixá-la ao lado de uma fotografia de
alguém que só deixou saudades. E o jardineiro se põe a chorar todas as vezes
que não encontra mais flores para conversar.
Fato é que as
pessoas geralmente não dão a devida importância às flores. Dificilmente alguém
olha para uma flor e nela avista a beleza da vida, a poesia da natureza, a
sublime e perfumada força da criação. São poucos que entendem a sua simbologia,
o amor nela expressado, a primazia da vida em cada pétala que se abre em meio à
sequidão. São muitos os que arrancam flores e deixam pelos caminhos, que pisam
em pétalas como se estivessem destruindo espinhos.
Por isso mesmo
é que à mão deveria ser dado o direito de agir por impulso próprio diante de
cada flor. Não toda mão humana, aquela da guerra, da violência, da atrocidade,
da chibata e do açoite, mas a mão verdadeira humana, humanitária, poética,
amorosa, sensível, cuidadosa, da paz. À mão sentimento, à mão pulsante, à mão
coração, eis a mão que não precisaria obedecer a ninguém para estar diante da
flor.
A mão diante
da flor talvez fosse o olhar romântico diante da paisagem ao entardecer, apenas
apreciando sem nada modificar. Ou carinhosamente a recolhesse para colocá-la em
cima da escrivaninha enquanto tece versos e depois enviá-la junto ao poema para
a pessoa amada. Ou simplesmente tê-la diante do olhar como inspiração para a
vida. Também imaginando que um dia ela estará por cima de suas mãos na hora da
despedida.
Poeta e
cronista
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