Por Rangel Alves
da Costa*
Acima digo da
sombra e do sol, mas poderia dizer do dia e da noite, da luz e da escuridão.
Contudo, não se trata de avessos ou opostos, mas apenas para indicar a outra
feição existente numa mesma face, Ora, a sombra é o mesmo sol transformado.
Cada ser que
nasce traz consigo uma manhã radiante. Não importa que seja em berço rico ou
pobre, pois o que se concebe é a luz da vida indistinta em cada um. Pois bem, a
sua luz vai se intensificando com as forças da adolescência e se transforma em
verdadeiro sol na maturidade. Mas a partir daí vai se tomando de sombras até
ser envolvido pelo negrume do tempo.
Por mais bela
que seja a vida, por mais vivenciada que ela seja, ainda assim não será sempre
sol no percurso da existência. As sombras existirão desde os primeiros anos,
mas são quase imperceptíveis diante da pujança da idade. Mas assim que os
obstáculos comecem a surgir e a serem reconhecidos e sentidos, então os
sombreados estarão a cada passo e por todo lugar.
O que é a
alegria, a felicidade, o contentamento, a vida em fulgor, que não o sol em seu
máximo esplendor, brilhante, intenso, radiante? Mas até quando uma vida tão
prazerosa e cheia das melhores realizações? Até o instante que a própria vida
deseje ou que o ser humano semeie as sombras que lhe alcançarão.
O ser humano é
sol, o ser humano é brilho, é estrela maior, é luz essencial em tudo. Contudo,
haverá de compreender que nada brilha intensamente o tempo todo, nada consegue
se manter fulgurante em dada existência. Assim como o fogo se transforma em
chama e depois recrudesce para se transformar em brasas e cinzas, até adormecer
apagado, assim também o sol humano.
O próprio sol,
aquele que está lá em cima e surge ao amanhecer para iluminar o dia, já não é
mais o mesmo a cada novo nascer. A cada nascer o sol está com menos força, com
menos brilho, com menos intensidade de luz. Três gerações inteiras não
perceberão as mudanças, mas a verdade é que o astro maior está esfriando cada
vez mais. E chegará o dia de não ter mais um raio de luz sequer.
Ora, se o sol
também morrerá, quiçá os reles mortais. Não se discute tal inevitável fadário,
mas a percepção humana de sua própria condição de fragilidade. O sol de antigamente
era mais quente, mais arrebatador, mais pulsante. O sol de hoje, mesmo que
ninguém perceba, já está muito mais frio. E o ser humano como vai se
transformando da infância à velhice?
Mesmo que não
deseje reconhecer, inevitável que os sintomas do esfriamento do sol humano
sejam mais que perceptíveis. O encorajamento, a aptidão, a destreza, o vigor, a
rigidez corporal, a saúde, o apetite sexual, a coordenação motora, a percepção
de realidade, tudo isso vai se transformando no homem com o passar dos anos. E
para onde caminha senão para as sombras?
A pessoa não
percebe bem nas primeiras manifestações, mas as sombras vão surgindo ao seu
redor desde ainda jovem. Mesmo que se imagine sempre tomada de sol, a ausência
de luz vai se tornando cada vez mais rotineira. A verdade é que é o próprio sol
que acaba confirmando a presença de sombra. Esta só existe em função daquela, e
por isso mesmo tudo que impeça a luz estará permitindo a presença da sombra.
E muitas são
as sombras que acabam acompanhando a caminhada humana. Aquelas provocadas por
imaginar que somente o sol brilharia sobre si, aquelas chamadas pelo próprio
homem e aquelas inevitáveis depois de toda luz pela estrada. E de repente até o
sol do meio-dia deixará de brilhar. E feito sombra às sombras se unirá em busca
de qualquer luz. Mas já é noite. E só resta o luar entre nuvens.
Poeta e
cronista
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