Por: Rangel Alves da Costa(*)
ESTRADA
PARA RETORNAR
Já muitos dias
que caminho por essa estrada. Com mais alguns certamente chegarei ao destino.
Que, aliás, ainda é incerto.
Saí numa
madrugada, entre a noite fechada e a semente da primeira aurora. Ouvi o galo
cantar já depois da curva da estrada. Ele ainda dormia, mas ouvi o seu canto de
despedida.
Descalço, com
pouca roupa, levando embornal deitado nas costas e um cantil pendurado no
peito, dei bom dia às pedras e espinhos, conversei com a aragem matinal, acenei
para as flores do campo inexistentes na beira do caminho.
Assim fui
prosseguindo manhã após manhã, noite após noite, quase sem parar para
descansar. Tanta pressa de chegar possuía sua razão. Ao encontrar aquilo que
ainda não sabia o que seria, prontamente retornaria pela mesma estrada.
Caminhando, seguindo
adiante, suportei o frio e o calor, a sede e a fome, o sono e o cansaço, a
incerteza e a aflição. Não bati em nenhuma porta, nada perguntei aos que
encontrei na estrada, procurei não permitir que nada pudesse atrasar meu
percurso.
Tanto vi,
tanto avistei, e em tudo calei ainda que o espanto quisesse gritar. Nada
poderia afastar a calma para perceber tudo que ia encontrando, vez que o
retrato da ida seria
Coisa estranha
na mente de um andante. Deixar para trás a cancela de casa, seguir estrada sem
destino certo, não saber aonde chegar nem quando, mas ter a certeza do retorno
assim que sentir que chegou.
E tudo com um
só objetivo: avistar novamente tudo aquilo que foi encontrado no caminho de
ida. E também com uma única certeza: nada daquilo avistado será o mesmo ou terá
a mesma feição de poucos dias atrás.
Diferente do
que ocorre com as pessoas, aonde cada segundo a mais na existência vai
produzindo silenciosas e imperceptíveis transformações, noutras estradas
sobrevêm perceptíveis mudanças. Tudo se deteriora rapidamente, sofre
destruição, muitas vezes deixa de existir em pouco tempo.
Daí que sigo
pela estrada para logo retornar e constatar o quanto já não permanece mais, foi
transformado, deixou de existir. Acaso fosse demorado o retorno, logicamente
que as mudanças seriam inevitáveis. Contudo, creio que em questão de dias e já
estarei passando novamente pelos mesmos lugares.
Caminho
avistando jardins floridos, e amanhã somente flores murchas e mortas; sigo
avistando árvores imensas e imponentes, como se fossem indestrutíveis diante de
qualquer ação, mas sei que talvez só encontre as toras deitadas na beira da
estrada para serem transportadas para madeireiras.
Sigo avistando
rios que correm à beira da estrada, águas piscosas, fontes de água boa para
matar a sede, e na volta não haverá garantia alguma de encontrar ao menos uma
cacimba de água salobra; vou avistando e conversando com pássaros, sentindo
borboletas passeando ao redor, colibris buscando pétalas para beijar. E jamais
será assim na estrada de retorno.
Sei que o
retorno será mais rápido que a ida, vez que já conhecido o caminho e a
distância. Mas também sei que a dor e o sofrimento tomarão o lugar do
encantamento da ida, que a aflição do olhar trará cruéis consequências diante
da outra realidade que certamente encontrarei.
Que houvesse
transformações. Ora, tudo muda rapidamente. E também não desejaria encontrar
apenas caminhos floridos, a paz e a beleza reinando por todo lugar. A consciência
não permite pensar assim. O contentamento surgirá se ainda houver a permanência
de algo que se deva apreciar.
Pelo que o
homem faz, impõe, impiedosamente transforma, não seria difícil que retornasse
por caminho desértico ou mesmo ladeando um imenso jardim. De cimento e pedra.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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