Por: Rangel Alves da Costa(*)
TODA
PALAVRA
Desde muito
que tenho uma estranha vontade: ouvir toda a palavra, de todas as bocas, de
todas as pessoas do mundo. Contudo, principalmente daquelas que o meu quase
infalível pressentimento dialoga desde o primeiro olhar, ainda que jamais as
tivesse visto.
Creio que
terei a palavra daqueles que o meu precavido senso reconheça como digno de
ouvi-los. Certamente não esperarei ouvir a voz do orgulho, da empáfia, da
vaidade arrogante, da auréola dourada que muitos imaginam carregar.
Palavra com
quem seja digno de ouvir e pronunciar, acessível e que não se ache dono da
verdade do mundo nem da sabedoria dos tempos, que saiba corresponder aos
questionamentos e se sinta refletido naquela realidade pronunciada. Eis o
objetivo do diálogo: apenas ter a palavra do outro.
E apenas ter a
palavra do outro porque é da primeira pronúncia que se abre o livro da vida,
que as ideias vão surgindo, que as verdades, ao invés de serem buscadas, vão
brotando cheias de explicações. Daí que uma pergunta de como vai - a mais usual
possível - pode gerar profundas revelações.
Como afirmado,
infelizmente não é todo mundo que possui o dom da palavra, do diálogo. Não
porque seja mudo ou não queira abrir a boca, mas simplesmente porque ignora
qualquer tipo de presença ou aproximação de gente que não seja do seu círculo
ou de seu quilate. Palavra forjada em falso metal, por não ser inacessível vai
enferrujando e some.
Não quero
falar com muros, com pedreiras nem com obstáculos. Não quero falar sozinho se
posso ter alguém que me ouça. Pessoas que ouvem são como
passarinhos que pousam no ombro, bichos que se aproximam sem medo, brisa que
chega perfumada e se assenta na pele. Quero um diálogo com uma natureza
assim.
Basta-me a
palavra da verdade, da pureza, da simplicidade, da humildade. Assim, estarei
sempre apto e solícito para ouvir a voz da pessoa do povo, daquele que não se
destaca a não ser por ser humano, daquele que carrega no olhar e no semblante a
luta cotidiana pela sobrevivência.
Que me venha o
menino traquina, o garoto levado, a criança arredia; o infante esfarrapado, o
moleque sem o banho, a criança com sua mão de esmola ou seu caixote de engraxar
sapatos. E também o venturoso, de posses, mas que venha com a simplicidade
própria de quem está na vida e não num pedestal.
Que me venha o
negro, o preto retinto, o cafuzo, o branco, o louro, o albino, o moreno, o
mulato, o trigueiro, o da pele de jambo, o queimado de sol. E não precisam ter
palavras bonitas, versos na boca, frases feitas, nem preocupadas em falar
certinho. De todos, quero apenas a palavra nua, despida de enfeites, e tão
verdadeira quanto o jeito de ser e viver.
Da lavadeira
quero sua sabedoria e seu canto; do artesão quero ouvir como se forja a vida e
como tempera o barro; do varredor de rua quero sentir sua palavra limpa, uma
lição de seu ofício para fugir
da imundície; do carteiro as boas novas pelo sorriso naquilo que é ainda
segredo; e da simples pessoa que passa quero qualquer palavra.
Na janela, no
meio da rua, andando sem direção, as pessoas repousam seus sentimentos nos
semblantes que carregam. Olho e vejo um rosto triste. Moça bonita não era
para estar entristecida assim, mas verdade que está. E apenas porque passo e
dou boa tarde, não dura muito e fico sabendo da saudade grande do amor que está
distante e ainda não voltou.
Passeando ao
entardecer na beira do cais, eis que avisto uma aflita mulher, andando
desesperada de canto a outro, lançando na lonjura das águas os olhos
lacrimejantes e tendo à mão um lenço já molhado. Uma pergunta sobre o motivo de
tanta dor, e eis a mesma aflição, a vontade de me lançar às águas para buscar o
barquinho de pesca, com o seu pescador, antes que a tempestade chegue. O céu já
escureceu, as nuvens prenhes já se aproximam, mas o barquinho não.
Sem a palavra
nada disso seria conhecido. Porém duvido que ouça qualquer resposta de boca
soberba e sem palavra para quem não for igual. Mas desigual em que? Por isso
quero ouvir sobre a desculpa do namorado, acaso voltar; e da mulher do
pescador. Qual palavra será, será que ele conseguiu voltar?
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se
você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário