sábado, 26 de janeiro de 2013

DESPEDIDA DE CASADO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

DESPEDIDA DE CASADO 

A própria esposa, prazerosamente, tomou para si a incumbência de preparar a festa de despedida de casado do esposo. Num contentamento desmedido, a feição da ainda companheira era a de quem semeia dourados grãos para colher preciosidades.

Tamanha felicidade não surgiria assim ao acaso. Certamente que tinha planos secretos para agir dessa forma. O próprio esposo não conseguia entender bem o que motivava ela agir assim, toda animada e correndo de canto a outro para que não desse nada errado.

Não é todo dia que acontece assim. As separações e despedidas geralmente são antecedidas por muitas brigas, desavenças de não acabar mais. As discussões surgidas nestas refregas é que cimentam a necessidade de um se ver logo livre do outro. Mas neste caso se deu totalmente diferente.


Não houve briga, acirramento de ânimos, nem um culpabilizando o outro pela impossibilidade da continuação da vida em comum, da relação conjugal. Simplesmente aconteceu de um dia ele decidir que não suportava mais conviver ao lado dela, e pronto. Disse que dali a cinco dias voltaria a ser solteiro, e estava acabado.

Como afirmado, a reação da esposa foi surpreendente. No mesmo instante sorrio o mais belo dos sorrisos, ressaltou um intenso brilho no olhar e em seguida disse que se assim era o seu desejo, então nada poderia fazer para mudar de ideia. Poderia fazer sim, mas a festa de despedida de casado que certamente ele promoveria.

Mas o que poderia fazer com que um casal agisse assim com tanta frieza diante de decisão tão complicada? O que motivava o esposo tomar tão repentina atitude? Ora, geralmente o casamento só se desfaz com a morte de um dos cônjuges, a separação e o divórcio. Também quando um decide abandonar o lar. Mas aquela era uma situação diferente.

Noutras circunstâncias, e tendo motivos que não cabe aqui esmiuçar – até já sei o que deve estar pensando -, bastava arrumar a mala e pular a janela na madrugada para nunca mais voltar. Muitos dizem que vão ali comprar cigarro e desaparecem para sempre, outros afirmam que vão viajar e não voltam mais.

Aquela situação era diferente, inusitada, difícil de compreender. Conviviam juntos, dormiam na mesma casa (não sei se no mesmo quarto e na mesma cama), conversavam, sorriam, brincavam, passavam aos outros uma imagem de perfeita união. E, pelo que eu saiba, ela não havia queimado propositalmente a roupa dele, jogado café na sua cara nem o ameaçado com faca de cozinha.

Do mesmo modo, ninguém nunca soube que ele já tivesse dado uns tabefes nela, arrancado metade de seus cabelos, mandado arrumar a mala pra ir pra casa da mãe. A única coisa que havia diferente nos dois é que eram adúlteros contumazes, namoradores de marca maior, infiéis, chegados desavergonhadamente a traições conjugais.

Mas isso não seria motivo suficiente para que ele decidisse descasar de hora pra hora, virar solteiro assim de repente. Um não sabia da traição do outro, nem imaginava que os chifres cresciam de parte a parte. Ademais, tanto ele quanto ela se sentia orgulhoso em trair tanto sem jamais o outro perceber.

Na verdade, como eram experientes demais no que se relacionasse a traições, a namoros escondidos, a alcovas proibidas e amores mais proibidos ainda, apenas imaginavam o que seria se um soubesse que o outro andava fazendo. Seria doloroso demais, colocaria a vida do casal em jogo, pois podia trair, mas jamais sofrer traição.

Pois bem, faltando dois dias para o evento festivo, e que seria realizado ali mesmo na residência do ainda casal, ela chamou-o para discutirem acerca dos convidados. Tendo máxima certeza que ela não desconfiaria de nada, então ele foi listando todas as amantes, uma a uma. E ela fez o mesmo com relação aos seus garotões, ricardões e outros bonitões. E assim fecharam a lista. Dez convidados dele e dez convidados dela.

Contudo, naquela noite não conseguiram dormir pensando na tal lista. Ele se virava na cama tentando descobrir porque na lista dela só havia homens. Não conseguia de jeito nenhum. E ela pensando a mesma coisa, tentando a todo custo descobrir porque ele só havia convidado mulheres. Mas não tiveram coragem de se perguntar.


No dia marcado, primeiro chegou uma convidada e em seguida um convidado. Como os dois mantinham um caso às escondidas, logo ficaram juntinhos trocando segredos. Ver os dois tão próximos e sorridentes era uma tortura para os donos da casa, pois se sentiam traídos pelos amantes. E o mesmo aconteceu com todos os outros que foram chegando. Cada um se reencontrando e cochichando pelos cantos.

De corações dilacerados, sem poderem suportar mais a situação, o marido chamou a esposa num canto e confessou toda a verdade. Disse que aquela e aquela outra eram suas amantes, mas que agora se sentia completamente traído por todas. E em prantos, numa aflição de não acabar mais, ela colocou as mãos no rosto e também confessou tudo. Afirmou que as amantes dele estavam com seus amantes.

Ele saiu pela porta da frente e ela pela dos fundos. Solitários, abandonados, tristes, sofridos, um dia, alguns anos depois, se reencontraram ao acaso numa beira de praia, ao entardecer. E começaram a namorar.
  
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
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