segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A ROMÂNTICA RECRIAÇÃO DO PASSADO

Por: Rangel Alves da Costa(*)
 Rangel Alves da Costa

A ROMÂNTICA RECRIAÇÃO DO PASSADO

Alguém já disse que o passado é o novelo de linha que carregamos à mão, caminhando sem perder a ligação com o ontem. E muitas vezes nos dá vontade de puxar essa linha e com ela trazer aquele carrinho de brinquedo cheio das coisas boas vivenciadas.

Ali a criança, ali o adolescente, ali o estudante, ali o sonhador, ali o homem já feito. E se tudo ali foi importante demais, e onde quase tudo foi vivido e feito, então o que restaria do homem de agora? Talvez a saudade, a lembrança e a recordação, mas também o construir para a memória de amanhã.


Duas canções, dentre tantas outras, exemplificam a necessidade que o ser humano possui de reviver seu passado, de querer voltar no tempo para viver novamente momentos bons e inesquecíveis. A primeira é “Rua Ramalhete”, de Tavito e Ney Azambuja, e a segunda “Meus Tempos de Criança”, de Ataulfo Alves:

“Sem querer fui me lembrar/ De uma rua e seus ramalhetes/ O amor anotado em bilhetes/ Daquelas tardes/ No muro do Sacré-Coeur/ De uniforme e olhar de rapina/ Nossos bailes no clube da esquina/ Quanta saudade!/ Muito prazer, vamos dançar/ Que eu vou falar no seu ouvido/ Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido/ Vamos deixar tudo rolar/ E o som dos Beatles na vitrola/ Será que algum dia eles vêm aí/ Cantar as canções que a gente quer ouvir?”.

“Eu daria tudo que eu tivesse/ Pra voltar aos dias de criança/ Eu não sei pra que que a gente cresce/ Se não sai da gente essa lembrança/ Aos domingos, missa na matriz/ Da cidadezinha onde eu nasci/ Ai, meu Deus, eu era tão feliz/ No meu pequenino Miraí/ Que saudade da professorinha/ Que me ensinou o beabá/ Onde andará Mariazinha/ Meu primeiro amor, onde andará?/ Eu igual a toda meninada/ Quanta travessura que eu fazia/ Jogo de botões sobre a calçada/ Eu era feliz e não sabia”.

Não só a partir das letras citadas, mas por uma série de fatores, se constata que o passado está mais presente no consciente das pessoas do que qualquer um possa imaginar. Por mais que muitos tentem apagar a memória do que passou, principalmente daquilo que surge como amargura ou sofrimento, verdade é que buscam nos tempos idos o amparo para atuais motivos de alegria.

Ora, o passado é a história da própria vida, a construção da identidade, a formação de uma teia de relacionamentos que possuem continuidade. Ademais, por mais que fujam das relembranças, nada pode apagar completamente as realizações e as vivências de outros tempos. Desde o nome e sobrenome, que é uma junção da linhagem familiar, até as conquistas na vida, tudo é passado. Neste sentido, o passado constrói o futuro.

Verdade é que ninguém pode dizer que não se lembra dos tempos de criança, das tantas brincadeiras e meninices, das peraltices que fazia prendendo latas no rabo dos gatos ou pulando a cerca do vizinho para saborear a fruta mais madura. Do mesmo modo ninguém se esquece da adolescência, do primeiro amor, das primeiras paixões, dos planos feitos e dos sonhos surgidos.

Aquela rua onde se morou por tanto tempo, a menina bonita que morava numa casa mais adiante, a velha professora que reclamava de tudo, a vizinha que não fazia outra coisa senão fofocar, a bola quebrando a vidraça, a primeira vez que beijou uma boca e também a primeira vez que se entristeceu pela sede de beijo que sentiu. Tudo isso é passado, chegando sempre como um tempo bom que dá vontade de retornar.

Se as pessoas não vivessem envoltas no passado não haveria motivos para as boas e doces lembranças, para as recordações afetivas, para as relembranças daquilo que poderia ser feito de forma muito diferente. As memórias e reminiscências se tornam, assim, o elo entre o agora sentimental e o ontem valioso demais na vida. E não há como caminhar, seguir em frente, sem ter de olhar pra trás e buscar nas realizações os exemplos encorajadores para o passo seguinte.


Contudo, não é somente o passado pessoalmente vivido que povoa a mente de recordações. Eis que o ser humano vive envolto em recordações de outros tempos onde as praças eram lugares de encontro de amigos, famílias e apaixonados; os cinemas anunciavam em grandes letreiros os sucessos cinematográficos; os meninos passavam anunciando as manchetes dos jornais e outros com tabuleiro de doces para todos os gostos; o leite chegava cedinho à porta, o padeiro era amigo e confidente, o velho sentado no banco da praça era o sábio das grandes lições.

Havia um tempo de pouca violência, de escândalos pontualmente retumbantes, das cantoras do rádio, do futebol como paixão e arte, de cidades grandes com aspectos interioranos, do rádio como amigo inseparável, dos bolinhos do céu na casa da vovó, dos amigos sentados nas calçadas para falar sobre coisas amenas.

E é esse tempo que dá saudade, principalmente nesses tempos de tantos contratempos.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE. 

Poeta e cronista
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