Por Rangel Alves
da Costa*
Por que a
girafa é tão alta e outros seres, inclusive o homem, são tão baixos? A girafa
não é tão alta apenas pelo pescoço alongado demais, mas também pelas pernas
imensas e uma estrutura física possante e alongada. Em compensação, os demais
bichos se contentam em viver quase no reles do chão e mais ainda em ter sua
boca próxima ao que vai abocanhar. Olhando do alto à insignificância lá
embaixo, a girafa certamente pergunta: cadê o homem?
A girafa, um
mamífero artiodátilo, ruminante, da família dos girafídeos, chega a seis metros
de altura. Só o cumprimento do corpo chega a mais de dois metros. O corpanzil
imenso e rígido não impede, contudo, que corra em altas velocidades para fugir
dos predadores. Sempre desconfiada, ainda que do alto aviste tudo o que se passa
ao redor, prefere dormir em pé, sempre alerta e pronta para sair em disparada,
mas não sem antes proporcionar um coice devastador.
Mas por que
tanto caracterizar a girafa, se o importante mesmo é saber que ela é a mais
alta entre todos os mamíferos e perto dela os outros bichos não passam de
nanicos misturados às outras insignificâncias? Ora, simplesmente para dizer
acerca de sua situação no reino animal em comparação aos outros que se acumulam
nos arredores. Também para afirmar de sua condição especial em relação àqueles
cuja pequenez impede de avistar o mundo além do que está ao alcance.
Somente os
pássaros nas alturas, em pleno voo, dotados que são do instinto primaz de
liberdade, conseguem enxergar o mundo numa perspectiva maior que a girafa e
também avançar imediatamente no conhecimento de outras realidades. Se os
pássaros possuem, quando no alto, uma perspectiva de visão maior que a da
girafa, imagine com relação ao homem e outros bichos rastejantes nas suas
experiências de vida rasteira. Ademais, avistar o mundo do alto, ou enxergar as
realidades na sua inteireza, parece não ser um dom daqueles que vivem se
contentando em encontrar carniças para degustar. Não acontece diferente também
com o homem.
Sempre
entretida em mastigar as folhas, os brotos e os frutos, do alto das árvores, a
girafa sequer tem tempo de olhar abaixo. Saboreia lentamente e sossegada, a
seguir vai lentamente em busca de outra mesa, e assim leva sua vida sem se
importar com a terrível luta pela sobrevivência na altura do chão. Ali, na
terra chamada mundo, os bichos se digladiam por toda parte. Os animais maiores
fazem os menores de presa, os mais insaciáveis vivem em constante emboscada à
espera do primeiro que passe adiante. E o homem, comumente se achando soberano
maior de toda a natureza, simplesmente vai dizimando não só a terra como os
habitantes da mata.
A girafa, com
seu olhar miúdo, porém sempre atento, apenas olha de soslaio a ação humana. E
pensa: Que bicho pequeno é o homem, um verdadeiro verme rastejante. E ainda
assim se arvora do direito de querer sobrepor-se a tudo que há na vida. Ao
invés de se contentar com os seus iguais, vez que é o próprio homem a sua
vítima mais constante, tem petulância de querer escravizar o restante da vida.
Verdadeiramente avesso é o homem. Cego perante aquilo que deveria avistar, sem
coração que possa resguardar algum tipo de sentimento, incapaz de reconhecer-se
a si mesmo, ainda tem a petulância de querer ter às suas mãos a sentença de
vida e de morte sobre tudo e todos os seres da natureza. E também do seu mundo.
Enquanto
mastiga, a girafa filosofa de sua altura: A cobra, que não anda e só rasteja,
vivendo faminta para lançar suas presas nos calcanhares, em nada se diferencia
do homem. Igualmente a este, nasceu bondosa, desvirtuou-se para o mal e foi
castigada pelo criador. Daí em diante rasteja infinitamente. E o homem não foi
criado com instinto ruim, com o ânimo negativo da destruição, da violência, de
fazer os demais correr perigo em suas mãos. O criador ainda não lhe deu o merecido
castigo, mas ele mesmo se penaliza a cada dia e vai semeando em si sofrimentos
terríveis. Só falta mesmo rastejar. Mas talvez nem isso lhe falte, pois é
verdadeira serpente chacoalhando o guizo por onde anda. E possui veneno mais
poderoso e mortal que qualquer cascavel.
Mesmo o
elefante, que reconhecidamente é um animal imenso, sequer chega perto da altura
da girafa. É mais forte, possui mais força, mas possui uma visão curta demais e
que não vai além daquilo que está à sua frente. Já o homem, que sobe ao espaço,
passeia nas nuvens, alcança a altura que desejar por meios artificiais, não
possui sequer a força para superar uma formiga no seu trabalho. Anda, corre,
pula, mas poderia somente rastejar. E ser apenas rastejante parece ser o seu
destino oculto. Tanto rasteja para bajular como para se esconder de seus
próprios fantasmas.
Mas a girafa
não. Na sua imponência, apenas mastiga a folha. Lança seu olhar nas lonjuras e
avista um ser em meio ao lamaçal e não reconhecendo qual seja logo indaga: será
o homem?
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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