Por Rangel Alves
da Costa*
Não por culpa
do criador, mas da criatura, impossível não chegar a uma lamentável e triste
constatação: O mundo não deu certo. Absolutamente não deu. Está tudo pelo
avesso, revirado, desconcertado. O que deveria, ao longo do tempo e do
desenvolvimento da humanidade, ir simplesmente progredindo, eis que acaba se
transformando num oposto obscuro demais e mostrando as feições que jamais se
esperaria no mundo moldado pela ciência e seu moderno habitante.
Parece mesmo
que as lições do passado a nada serviram. E não foram poucos os exemplos onde o
homem foi desacreditado pela sua brutalidade, arrogância, insensibilidade. Os
governos tiranos passaram a ser vistos como exemplos a serem repugnados. Os
justiçamentos passaram a ser vistos como ímpetos de um povo sem ordem e sem
lei. As arbitrariedades fizeram surgir aparatos legais protetivos e as relações
foram normatizadas. Mas hoje se indaga acerca da serventia de tudo isso,
principalmente quando se observa uma assustadora regressão humana.
Os livros de
história trazem relatos aterrorizantes das violências e crueldades de outros
tempos. Os bárbaros passando a fio de espada quem encontrassem pela frente,
conquistadores sangrentos e suas investidas impiedosas, guerras de conquistas
que dizimavam civilizações inteiras. E ainda as crueldades da escravidão, as
perseguições e punições por motivos religiosos, a proibição de não sonhar nem
clamar por liberdade sob pena de morte, as grandes fogueiras da intolerância
que tornavam em cinzas os justos clamores. Hoje tudo isso causa repulsa, porém
sem evitar que chamas de ódio ressurjam debaixo das cinzas.
O mundo foi
feito para o aperfeiçoamento. O que foi criado serviu apenas como base para
melhorias constantes, pois sempre pressupondo a capacidade humana para fazer
surgir o melhor para a sua e as demais espécies. E efetivamente progrediu,
tanto no bem como no mal. Contudo, a partir do instante que o homem se sentiu
dono do mundo e não apenas habitante, outra coisa não fez senão exercitar sua
capacidade engenhosa de usurpação e destruição. Então tudo foi sendo
exaustivamente revirado, transformado em caos.
Como uma casa
que desaba depois de tanto ser negligentemente transformada, certamente que o
mundo também não suportará as aviltantes irresponsabilidades de seu habitante
maior. Mas são desalentadoras as opções para evitar o pior. Ou terá que ser
recriado, colocando no lugar do homem outra espécie mais positivamente
virtuosa, ou simplesmente deixar que se acabe pelas próprias mãos do malfeitor,
e de forma abjeta, numa devassidão ética, moral, pessoal e institucional jamais
imaginada.
Ao criar o
mundo e os seres e espécies que nele deveriam habitar, Deus confiou ao homem a
primazia sobre tudo e todos, garantindo-lhe, através da racionalidade, o senso
necessário ao reconhecimento do bem, do justo, da união, do compartilhamento.
Com a confiança depositada, certamente que o criador esperava que o homem
pudesse ao menos retribuir cumprindo sua missão. E uma singela incumbência:
fazer florescer sobra a terra a dignidade da vida.
Ledo engano do
Criador, infelizmente. O homem não só retribui com ingratidão o poder
transformador que lhe foi concedido como tenta, a todo custo, negar a primazia
divina. Ora, quer ser seu próprio deus, ser seu soberano, ser o dono próprio
destino. Só que não mede as consequências das arbitrariedades praticadas para
conseguir seus nefastos intentos. E vai simplesmente passando por cima de tudo,
de si mesmo e do que ainda lhe reste como espírito e alma, e mais ainda do
próximo. Este não possui nenhuma valia àquele que cuja única valorização é o
poder. Poder ter mais, poder conquistar mais, poder somar, poder sobre tudo. E
não pensa duas vezes em destruir aquele que sirva como empecilho à sua sanha
ambiciosa.
Mas nem só de
ambição o homem progride na sede. Sua ganância possui muitas vertentes. Na sua
concepção nunca há lugar para semear coisas boas, positivas, que reflitam no
próximo como gesto de fraternidade, mas somente para disseminar aquilo que lhe
permita ser visto como poderoso. Mas como é frágil, fraco, que jamais se
sustenta em si mesmo, então faz da arrogância, da violência e da iniquidade,
uma redoma para se esconder no seu falso império. De gente assim o mundo está
cheio.
A verdade é
que tudo vai na contramão da sensatez. Famílias cujos parentes não se
reconhecem, filhos que não obedecem aos pais, genitores que negligenciam a
criação desde os primeiros anos de vida. Matrimônios imperfeitos e ficções
novelescas substituindo a vida real, os modismos ensinando as
imprestabilidades, e as pessoas apenas se deixando levar pelas aparências.
Enquanto isso a fé se transforma em espada sangrenta e a religião em ceifa de
vida. O novo é apenas o aprimoramento do ódio, do delírio coletivo, da
intolerância, do medo.
Sim, o homem é
o espelho de Deus. E assim o criador o concebeu. Mas o que fazer quando aquele
que foi dada tamanha dádiva prefere o lado obscuro da vida? Mas nunca será
demasiado tarde para se espelhar. E compreender que ainda há uma face de luz
que continua iluminando.
Poeta e
cronista
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