Por José Romero
Araújo Cardoso[1] e Marcela
Ferreira Lopes[2]
A utilização do algodão (Gossypium sps.) para diversos fins foi constatada
quando da descoberta do Novo Mundo pelos Europeus, pois nativos do continente
americano aproveitavam a fibra para a fabricação de utensílios usados no
cotidiano.
A rede de dormir é exemplo da herança indígena no que tange ao uso dessa planta
da família das Malváceas para a confecção de bens que no presente participam
ativamente na geração de emprego e renda de diversos municípios nordestinos,
como São Bento do Brejo do Cruz (Estado da Paraíba).
O algodão foi responsável pela revitalização agrícola brasileira após a
expulsão dos holandeses e a decadência da cultura canavieira no litoral
oriental nordestino, proporcionada pela concorrência efetivada pelo açúcar
batavo produzido nas Antilhas.
A industrialização pioneira que se originou na Inglaterra teve no setor têxtil
o carro-chefe do complexo processo surgido com o advento das máquinas, exigindo
matéria-prima abundante a fim de atender a demanda crescente, tendo em vista
que vestir-se é um dos requisitos da vida em sociedade.
O algodão mocó, provavelmente nativo do Seridó Norte-riograndense, arbóreo,
chegando a mais de dois metros de altura, em alguns casos houve registros de
plantas com mais de cinco metros, dotado de fibras longas, adaptado às
condições edafoclimáticas do semiárido, considerado por muitos como a melhor
variedade do mundo, passou a ser cultivado em todos os Estados Nordestinos.
O binômio gado-algodão passou a definir a importância econômica da hinterlândia
nordestina, sendo que em diversos momentos o segundo passou a superar a própria
razão da ocupação das terras interioranas.
O cultivo do algodão passou a ser feito sobretudo em grandes latifúndios,
motivado por agentes econômicos que dispunham de condições e contatos que
viabilizassem a venda do produto. Depois de algum tempo o algodão passou a ser
uma cultura infinitamente mais democrática que a da cana-de-açúcar, tendo em
vista que pessoas pobres, mas detentoras de pequenos pedaços de terra, passaram
a cultivá-lo e comercializá-lo em praças especializadas, como Campina Grande (PB),
Recife (PE) e Mossoró (RN), formando uma elite enriquecida com o Ouro Branco do
sertão. Negros alforriados que a duras penas conquistaram pequenos lotes de
terra galgaram degraus na rígida e inflexível sociedade sertaneja agropastoril
graças ao algodão.
A introdução de descaroçadores foi de suma importância para a dinâmica
econômica da região sertaneja. Para o algodão mocó indicava-se o de rolo,
enquanto para as espécies herbáceas utilizava-se o de serra.
Campina Grande, localizada no Estado da Paraíba, foi beneficiada
economicamente, de forma espetacular, quando Cristiano Lauritzen introduziu
descaroçador de algodão e passou a aproveitar-se da produção sertaneja que
demandava a Pernambuco, cujos tropeiros que conduziam fardos de algodão antes
tinham na cidade apenas ponto de parada obrigatória. No presente, experiências
genéticas que resultaram no algodão colorido denotam a invectividade dos
pesquisadores da EMBRAPA a fim de revitalizar o produto na economia local.
O colonialismo inglês ocupou terras possuidoras de histórias milenares, como a
Índia e o Egito, transformando-as em imensos algodoais, bem como aproveitando
áreas geográficas próximas a fim de fomentar transações comerciais, a exemplo
das que foram efetivadas com o sul dos EUA escravocrata e monocultor, dedicado
de forma extraordinária à cultura algodoeira.
A distância separando o sul dos EUA da Inglaterra minimizava
extraordinariamente os custos com o transporte da matéria-prima indispensável
ao funcionamento de suas orgulhosas indústrias têxteis.
A guerra de secessão que ensanguentou o território norte-americano no início da
década de sessenta do século XIX privou os ingleses de se abastecer com o
algodão produzido no sul dos EUA.
O drama conjuntural interno vivido pelos EUA suscitou a necessidade de buscar
em áreas próximas o algodão que tanto necessitavam, fazendo com que o sertão
nordestino vivesse dias de glória. A demanda externa mostrou-se tão proeminente
que diversas áreas dedicadas ao cultivo da cana-de-açúcar passaram a cultivar o
algodão.
Os ingleses interessaram-se de tal forma pela qualidade do algodão produzido no
sertão nordestino que diversas iniciativas foram fomentadas, a exemplo da
construção de ferrovias, levadas avante pela Great Western Company. O objetivo
era minimizar a depreciação do produto, transportado em tropas de burros.
Mesmo depois que a situação de beligerância nos EUA tranquilizou-se, em razão
da qualidade do algodão sertanejo houve ênfase à procura externa pela excelente
matéria-prima produzida na região nordestina.
A desaceleração da demanda externa deu ênfase ao surgimento de indústrias
têxteis de pequeno porte, cuja produção visava atender ao mercado interno. O
tecido de chita, popularizado no nordeste brasileiro, exemplifica a forma
alternativa que se exponencializou para absorver a produção algodoeira local.
A atenção do governo também se destacou quando da instalação de diversas
Estações Experimentais, ligadas de início ao Ministério da Agricultura e depois
à EMBRAPA, sendo que a do Seridó norte-riograndense era uma das mais
importantes, tendo em vista os estudos de melhoria genética levados avante pelo
agrônomo Carlos Faria, entre outros estudiosos.
O algodão passou a ser sinônimo de melhor qualidade de vida, principalmente no
semiárido. A colheita e comercialização do algodão eram sinônimos de melhores
alentos para boa parte da sofrida população de ermos esquecidos localizados no
Nordeste Brasileiro.
As quermesses, períodos juninos e festas de padroeiros espalhadas pelo interior
do Nordeste eram mais animados quando a população sertaneja que se dedicava à
cotonicultura contava com o dinheiro apurado com a venda do algodão. Era uma
festa quando os pais chegavam em casa, sorridentes, alegres, contando o que
haviam conseguido com a venda da safra.
Exemplo da importância do algodão para a economia regional observou-se no
Estado da Paraíba no século XX, pois quando das discórdias envolvendo o
“Coronel” José Pereira Lima e o Presidente João Pessoa, a tributação
exorbitante sobre a produção sertaneja, sobretudo a referente ao algodão,
determinou um dos motivos para a deflagração da guerra de Princesa em 1930.
O algodão esteve presente, de forma indissociável, na vida social e econômica
sertaneja, até meados da década de oitenta do século XX, quando a praga do
bicudo acabou com a importante atividade cotonicultora e definiu uma das
maiores crises enfrentadas pela região.
[1] José
Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial
(UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA/UERN).
[2] Marcela
Ferreira Lopes. Geógrafa-UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos
com ênfase em Economia Solidária-UFCG/CCJS. Graduanda em Pedagogia-UFCG/CFP.
Membro do grupo de pesquisa (FORPECS) na mesma instituição.
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço José Romero de Araújo Cardoso
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