Por Rangel Alves
da Costa*
Faça o que
digo, mas não faça o que faço. Todo mundo conhece tal expressão e certamente se
ajusta a todas as bocas que se abrem para dizer verdades, cunhar sabedorias,
falar sobre as certezas da vida, servir de exemplificação do bem. Mas apenas da
boca pra fora, como premeditação para surtir efeito positivo a quem é dirigida.
Porém sem validade alguma, pois apenas palavras floreadas ou de cunho moral,
humanitário ou de benevolência, que sequer são respeitadas pela própria pessoa
que as expressa.
Faça o que eu
digo, eis a frase sempre fácil dizer. E já vem o outro, com sua sabedoria
popular, cortando aquela razão para dizer que se conselho fosse bom não era
dado, e sim negociado. Ou o outro dizendo que quando a esmola é grande o cego
desconfia. Mas não adianta, os conselhos continuarão sendo dados, os pareceres
verbais continuarão em alta, as pessoas continuarão dizendo como deve ser a
vida do próximo, como este deve se comportar, o que deve fazer ou não. Os
verdadeiros donos da verdade.
O problema é
que é muito fácil apenas dizer. É só abrir a boca, expressar uma virtude e
pronto. Ninguém que se acha com poder de interferir no alheio através de
opinião ou de se mostrar com sabedoria suficiente para opinar sobre
determinadas realidades, o faz porque intimamente age segundo promulga ou
porque tem a máxima certeza de que não faria diferente. Apenas diz por que é
muito fácil. É como se dissesse que é preciso manter a casa sempre limpa ou
escovar os dentes após as refeições, e ela própria não fazer nada disso.
Tem gente
acostumada demais em dizer o que está certo ou errado na vida do outro. Anda
com vestido curto e diz que coisa feia é moça solteira andar com saia acima do
joelho, alardeia por todo lugar que odeia gente falsa e fofoqueira e ela mesma
não podia ouvir sussurro para que não passe adiante já emendado, esconjura os
pecados mundanos e vive com o corpo fervendo de depravação. E faz assim
simplesmente porque é sempre mais fácil cuidar dos outros do que de si mesmo.
Sempre acha que os seus erros são tão ocultos que ninguém saberá que um sujo
não pode falar do mal lavado ou que um maldoso não pode ensinar bondade a
ninguém.
Mas faça o que
digo, pois o que digo é o suprassumo da coerência, da honra, da virtude, da
grandeza humana. Discursos, apenas discursos; palavras, nada mais que palavras.
Nero e Calígula certamente subiam em púlpitos para alardear que a grandeza do
homem estava na pureza do coração. E eles, como agiam? Os tiranos
fundamentalistas sempre pregaram a importância da fé e da religiosidade na
condução da vida. Mas a ação se invertia ao mandar dizimar milhões pelos mesmos
motivos religiosos. Muitos são os ditadores que posam de bons moços, que tudo
fazem para mostrar generosidade perante a comunidade internacional, mas que se
comprazem em jogar seu próprio povo em covas rasas.
Faça o que
digo, pois na palavra a expressão do mais íntimo sentimento. Mas tudo mentira,
falsidade, jogo de cena. É tática das mais usadas mostrar apenas o lado bom,
preocupado com o mundo, com a vida, com a realidade social, com a pobreza. Como
o discurso não possui comprometimento algum com a ação, então tanto faz que
mais tarde tudo seja provado ao contrário. Acaso não fosse assim, nenhuma valia
teria a fala do candidato, do político, do governante. Sempre um poço de
bondade, de retidão, de compromisso com o povo, mas depois a realidade sempre
mostra o contrário.
Até mesmo a
igreja, através de seus representantes maiores, não fica isenta da embromação
do faça o que digo. E não diz que não faça o que faço por motivos óbvios. Uma
religião que tanto prega a moralidade e faz do pecado o escudo maior do homem
contra as mundanices, não deixa de também estar enlameada pelos desvios sexuais
de muitos de seus membros. É o mesmo que dizer que pedofilia é mortal e em
seguida queimar na sacristia os instintos sexuais pervertidos.
Se algum
político diz eu prometo, logo se avista o esquecimento. Se algum governante
fala em comprovada honradez, certamente não suportará que o tapete de seu
governo seja levantado. Então se há que duvidar de tudo, infelizmente. Até no
que intimamente pensa, de vez em quando a pessoa tem de duvidar de si mesmo. E
assim porque é próprio do homem pensar dez vezes até chegar à conclusão do erro
e em seguida praticar exatamente a coisa errada.
Mas faça o que
digo. E também faça o que faço. Somente assim estaremos ajustados. Se ajo
diferente daquilo que digo e você acreditou diferente daquilo que ouviu, então
tudo dá no mesmo e ninguém estará mentindo a ninguém.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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