Por Rangel Alves
da Costa*
Ao longo da
vida, as pessoas vão experimentando um percurso de transformações, uns mais e
outros menos. Transformações estas que envolvem a educação, o conhecimento, a
personalidade, o caráter e todos aqueles sinais e atributos que mais tarde
serão conhecidos como suas características. Um coração bondoso, por exemplo,
vai sendo construindo no âmago do indivíduo. Igualmente o caráter de
perversidade presente em muitos humanos.
Há de se
questionar, contudo, o que permite o surgimento de profundas mudanças no caráter
e na personalidade se até a meninice os aspectos comportamentais não são muito
diferenciados e daí em diante sempre se imagina apenas o aprimoramento dos
primeiros ensinamentos. Com efeito, até a adolescência surgem os mesmos sonhos,
os mesmos anseios, os mesmos desejos de fruição da vida. Contudo, parece ser
neste estágio que surgem as transformações, transmudando os sonhos em meras
ambições, e estas em desumanidades.
Tal
questionamento ganha ainda mais pertinência quando se põe na balança, por exemplo,
um sanguinário ditador que um dia foi criança e um religioso humanista que foi
igualmente criança. Os dois passaram pela mesma inocência. O brutal, o
arrogante, o violador, o frio assassino, passou pela mesma fase na vida
experimentada pelo sacerdote, pelo sábio, pelo possuidor de fraternidade
infinita no coração. Aquele que é hoje tido por desumano e desprezível,
sanguinário e cruel, percorreu caminho muito parecido com o herdeiro do trono
de Pedro.
Então, o que
faz com que surjam mudanças tão drásticas e até incompreensíveis para um ser
humano? Hitler foi criança, menino, teve infância. Atila, o impiedoso rei dos
Hunos, bebeu da seiva do seio da mãe, foi infante, aprendeu a andar caindo.
Ivan, o Terrível, teve a mesma infância que outros meninos. Stalin também foi
criança, brincou, chorou o seu choro infantil. Nada diferenciado entre todos
nesta fase da vida. Idade também vivenciada por pessoas como Calígula,
Mussolini, Osama bin Laden e muitos outros caracterizados pela crueldade na
vida.
Dizem que
Hitler caçava borboletas e se encantava com as flores da primavera e com os
pássaros que voavam ao seu redor. Mas depois começou a matar as borboletas que
encontrava, a dizimar os jardins primaveris e a armar arapucas para aprisionar
passarinhos. Após tornarem-se prisioneiros, acabavam sendo asfixiados com gás.
Dizem que Stalin gostava de mamar no seio materno, era demasiadamente chorão e
só acalmava com uma bela canção de ninar. Mas bastou ficar maiorzinho para
quase arrancar o peito da mãe com uma mordida, fazer com que os outros
chorassem o seu choro e ouvir gritos de sofrimento como suave canção.
Os grandes
traumas raramente ocorrem na infância. As experiências traumatizantes e que
provocam danosas consequências mentais e comportamentais não são frequentes nos
primeiros anos de vida. Daí que dificilmente os sanguinários da história tenham
suportado dolorosas experiências para adquirirem comportamentos sádicos e
doentios e mais tarde, já na idade adulta, simplesmente prosseguissem
aprimorando seus instintos bestiais. Ademais, não é por uma ferida não
cicatrizada ou por situação mal resolvida que o mundo ou populações inteiras
tenham de se submeter às suas crueldades.
Afirmam que
Alexandre, o Grande, um dos maiores conquistadores da antiguidade, no leito de
morte se perguntou por que nunca havia sido criança. E disse ainda que se
tivesse tido tempo de brincar não tinha aprendido tão cedo a guerrear para
morrer tão jovem. Morreu querendo voltar a ser criança e simplesmente fazer o
que todo menino faz. Já Herodes, rei da Judeia, levou o trauma da infância sem
amigos a terríveis consequências. Escolheu Belém para dar vazão a seus
instintos perversos e mandou matar centenas de crianças com até dois anos.
Negando a infância dos outros, procurava negar a si mesmo e se impor como
alguém sem passado que merecesse recordação.
Com efeito,
difícil imaginar um tirano recordando que já teve infância. Difícil até que
relembre o passado, principalmente se este o colocar numa posição de pessoa
comum. Apagando a memória, sua vida se resumirá no que faça perante o seu
presente. O problema é que rejeitando o passado, esquecida também ficará a
inocência da infância ou a criança bondosa que talvez tenha sido. Com tudo
apagado, então será a vez de fazer valer sua ideia de poder, que nada mais é
que a imposição do mando através do medo e da violência.
As
transformações do homem são realmente surpreendentes. Imaginar a infância em
Genghis Khan, Nero, Mao Tse Tung, Pol Pot, Leopoldo da Bélgica, dentre tantos
outros sádicos da história, faz realmente crer que o homem se tiraniza porque
assim deseja. Bastaria que desenvolvessem as dádivas divinas concedidas ao
homem e talvez se assemelhassem a Buda, a Gandhi, a Padre Pedro, a São
Francisco de Assis. Estes nunca perderam o bondoso coração de criança.
Poeta e
cronista
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