Por Rangel Alves
da Costa*
Vivo entre
dois mundos. O mundo lá fora, do asfalto, do ferro, da velocidade, do medo. E o
mundo onde me resguardo para viver. O mundo depois do abrir a porta e encontrar
tudo que preciso para esquecer o mundo lá fora.
O mundo lá
fora é estranho demais para mim. Tenho um mundo entre quatro paredes que acaba
sendo todo o meu universo de vida. Um mundo pequeno na medida, mas grande
demais na sua significação.
O mundo lá
fora é perigoso demais para mim. O meu mundo de quatro paredes possui duas
divisórias e assim se transforma em meus continentes. E em três continentes
espalho o que sozinho faço.
O mundo lá
fora é violento e barulhento demais. O meu mundo fica ao redor do mundo lá
fora, mas me esqueço de tudo mais adiante quando ultrapasso a porta ou o portão
e reencontro toda a minha vida.
O mundo lá
fora é traiçoeiro e arrogante demais. O meu mundo possui a singeleza de uma
poesia e a paz dum entardecer. O único habitante desse mundo sou eu, além dos
livros, das pinturas, desenhos, cactos e artesanatos.
O mundo lá
fora possui tudo e sempre nada. O meu mundo possui quase nada e
indescritivelmente tudo. Além dos birôs, dos sofás, das cadeiras, das estantes,
dos armários, das tecnologias, o meu mundo possui a feição de ninho e o aspecto
de baú antigo.
No meu mundo
trabalho, no meu mundo escrevo, no meu mundo vivo praticamente todo o meu
viver. Um mundo chamado escritório, mas não um escritório qualquer. Um local
como aquele lugar da casa onde a pessoa se sente bem em estar, assim como um
solar ou uma varanda de repouso e descanso.
O meu mundo
parece sorrir quando chego e sempre abraço meu mundo. Tudo limpinho, tudo
arrumado, tudo no seu devido lugar. Sou metódico demais, preocupado demais em
guardar tudo no lugar exato e sem preocupação alguma quando tenho de encontrar
um documento, um jornal antigo, uma fotografia, tudo o que for necessário e
útil.
Sei em qual
local da estante estão meus cd’s de música clássica. Sei onde em que local de
outra estante estão guardados os meus pincéis, minhas tintas, meus guaches,
meus vernizes, meus lápis de desenho. Sei onde estão os manuscritos de façanhas
cangaceiras e sertanejas que meu pai deixou.
Sei em quais
pastas estão as fotografias pessoais e as familiares e históricas. Sei das
cartas, bilhetes, rascunhos, escritos. Sei de todos os processos já arquivados
e dos feitos em andamento. Sei do que há em cada pasta guardada nas estantes e
do que tratam os recortes, os esboços e manuscritos que carinhosamente mantenho
comigo.
Como afirmado,
meu mundo é dividido em três pequenos espaços. Na entrada, pelo lado da rua,
uma pequena área onde de vez em quando estendo a espreguiçadeira e também onde
costumo ficar mirando as chuvas que caem nas madrugadas. Na outra parte, um
birô com cadeiras, estante com cactos, artesanato sertanejo (cangaceiros, bois,
cavalos, pequenos objetos em argila), um birô e mais de uma dezena de desenhos
emoldurados nas paredes. Todos de minha autoria.
Na parte
principal, onde geralmente sou encontrado envolto em meu mundo, um birô, sofás,
estantes e um armário. E quadros e desenhos com motivos sertanejos pelas
paredes. Também retratos nas paredes e diversos objetos artesanais. Livros
escolhidos, processos em pauta, objetos sacros e até um chapéu cangaceiro acima
da estante, ao lado de dois imponentes animais de barro.
É no
continente maior desse mundo que escrevo, penso, reflito, recordo, sou feliz e
sou triste. E ouço Offenbach, Strauss e Tchaikovsky para deitar à relva nos
espaços além desse mundo.
Poeta e
cronista
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