Por Rangel Alves
da Costa*
Apenas um
jarro com flores de plástico, desde muito envelhecidas. Não há mais aroma ou
encanto pelo viço perfumado das flores matinais, somente a poeira do tempo se
encrustando na rosa feia. Um jardim de um dia transformado na mais morta das
naturezas.
O espelho é
cúmplice de tudo, também envelhecido e sem brilho no olhar, apenas um reflexo
amarelado e turvo, disforme e triste. O tempo faz sofrer até o espelho. O que
refletir se o que se mostra adiante já não sorri, já não mostra contentamento,
não transmite ao outro lado a magia da jovial felicidade?
E era um tempo
de mocidade, de beleza na face e no olhar, de madeixas delineadas à mão, de
dedos correndo cores pelos lábios, de mãos retocando o ruge no rosto. Vaidade
boa, beleza suave e terna, primavera em plena manhã de sol. E o espelho a tudo
compartilhando, também se sentindo cheio de vivacidade.
Não recorda se
marcou encontro para mais tarde com os cabelos esbranquiçados, as rugas
pontuando na face, o olhar perdendo o brilho, o sorriso perdendo o encanto, o
desalento tomando o lugar da ternura e do sonho. Não relembra se algum dia
pediu ao espelho para ser tão melancolicamente realista. E numa realidade que
dói pela recordação do retrato de outrora e da imagem que se mostra agora.
Tempos,
tempos. Além da poeira a tempestade. E como dói a memória de tudo. Um baú onde
se preserva por amor e prazer, mas com o passar dos anos vai se tornando em
algoz dos sentimentos. Tudo guardado para ser conservado, mas também tudo
reencontrado para a tristeza e o padecimento. Cartas, fotografias, escritos
solenes, bilhetes cúmplices, pingentes, relíquias. Tudo já tão velho e tão
presente na saudade.
Viver impõe o
prazer e a dor, a alegria e o sofrimento. Há um tempo somente de coisas boas,
de encontros e encantamentos. São tais instantes que mais tarde se transformam
em dor de saudade. Há outro tempo na vida onde se olha pra trás e percebe que
já andou demais para retornar em busca de um acalanto. Daí em diante apenas uma
flor ou outra encontrada na estrada para que o coração seja reconfortado. Mas
os espinhos superam tudo.
Vida, vida,
uma relíquia esquecida no ontem e que o tempo não permite que se volte para
reencontrar. Talvez a vida seja como a janela que recebe a bela moça com suas
tranças negras ondulando ao vento, seu bonito vestido de chita, sua flor no
cabelo, seu perfume de flor do campo, sua doçura da idade e de prazer pela
vida. Mas depois a mesma janela começa a ficar sozinha, sem ninguém que se
encoste ao seu umbral, até o dia em que apenas a ventania açoita sua madeira
num vai e vem torturante.
Ali da janela
avista-se a natureza pujante ao redor. Ou seria a vida? Flores, plantas,
árvores, pássaros, borboletas, colibris, frutos adoçados de mel, brisa chegando
com canção e perfume. Ou seria a mocidade? Mas também ali da janela a paisagem
cinzenta, as flores murchas, as folhas mortas, a ventania espalhando tudo, a
tristeza em profusão. Ou seria a idade avançando, o tempo passando, o outono da
vida?
Difícil
entender porque acontece assim, mas o hoje só é devidamente valorizado amanhã,
e principalmente quando deixou para trás um não acontecido. As pessoas não
aproveitam seus instantes e querem ter de volta o que já passou. Então o tempo
presente, aquele vivenciado no ponteiro do relógio, acaba se tornando a memória
de tudo. E tudo que é buscado na saudade sempre chega com sofrimento.
Por isso que o
ser humano caminha pelo passo de ontem. Nada há de novo debaixo do sol. A
feição de hoje já está como retrato na parede, o que fale ou pense já foi
escrito num livro antigo. Assim com o jovem, assim com o adulto. Mas não assim
com o velho. Este está somente no espelho. Ou no que os olhos consigam avistar
e o vidro também definhado consiga refletir.
Poeta e
cronista
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