domingo, 21 de junho de 2015

COMO SALVAR MEU SÃO JOÃO?

Por Rangel Alves da Costa*

Ontem relatei sobre minha tristeza e insatisfação pelo desaparecimento das comemorações juninas na rua onde moro. A tradição junina simplesmente sumiu sem ao menos uma bandeirola de adeus, sem um enfeite qualquer que recordasse o mês tão tradicional.

E sumiu como um foguete junino que nega fogo. A verdade é que esse ano o brilho e a luminosidade dá rua deu lugar ao silêncio e às sombras das noites chuvosas. As pessoas sequer falam nos festejos ou se mostram animadas para qualquer comemoração. Pelo clima de desânimo total, certamente que nem as comidas de coco serão saboreadas ao lado da fogueira.

Escrevi sobre isso nas redes sociais e todos os comentários se voltaram para a crise financeira que a todos afeta. Sim, sei que a situação está difícil demais, que o dinheiro sumiu ou escasseou, mas ao menos umas bandeirolas deveriam ter sido colocadas na rua. Em pleno mês de junho, de longa tradição festeira, uma rua sem sequer uma bandeirinha é afronta demais ao orgulho nordestino.

Mas não me dou por vencido. Vou salvar meu São João sem ter de arribar o pé aqui da rua. Acaso desejasse sair, opções não faltariam, mas tudo envolvendo gente demais, perigo demais, malandragem e roubalheira demais. Não creio ser uma boa ideia uma pessoa que não dança nem bebe sequer cerveja se intrometer no meio de tanta gente desconhecida, alcoolizada e com intenções as mais diversas e duvidosas.
Com efeito, há o Forró Caju aqui pertinho, na região dos mercados, e também o Arraial do Povo na Orla da Atalaia, além de outras atrações espalhadas pelos arredores da cidade. Para quem gosta de estar no fuzuê tudo bem, pois ali o lugar ideal para o que bem entender, mas eu fujo de tais festanças como o solitário do visitante.


Não sou festeiro, nunca fui festeiro, apenas comparecendo a eventos quando estou em Poço Redondo, meu berço de nascimento. Quando eu bebia ainda me animava, encontrava encorajamento para permanecer por mais tempo, mas agora tudo mais comedido e até com pouca disposição para ouvir por muito tempo essas bandas que apaixonam a juventude. Contudo, no São João de minha rua era diferente.

Mesmo sem beber, organizava uma mesa farta para os amigos visitantes. Preparava até pernil assado e outros tipos de carnes. Logicamente que não faltavam as gostosuras juninas, como a canjica, o mungunzá e o arroz doce, além de diversas bebidas. Apaixonado que sou por tudo que leve coco, a todo instante estava taliscando um pedaço de alguma coisa. E caminhando pelo trecho, conversando com um e outro, apreciando as atrações. Mas, e agora, quando não há mais festejo em minha rua?

Agora só reinventando o meu São João. Não há outra coisa a fazer senão fazer alguma coisa ante aquilo que foi desfeito. Mesmo que a rua silencie, se esvazie totalmente, faça de conta que nem é São João, ainda assim estarei à minha porta com minha mesa, minhas comidas e alguma bebida para o amigo que chegue ou passe. Certamente estarei envolto ao espírito junino ainda que sozinho até o sono chegar.

Tenho um CD com mais de cem músicas do Trio Nordestino que será de grande valia. Também tenho Luiz Gonzaga e outros forrozeiros de ponta. Basta colocar o som rente ao portão e fazer de conta que estou num arraial caipira, ao lado das fogueiras sertanejas e avistando pessoas firmando laços de amizades ao redor das labaredas. Pelos sertões, a simbologia da fogueira faz surgir compadres e dar batismo aos crentes nas suas forças.

E do meu lado o bolo de milho e de macaxeira, a canjica, o mungunzá, o arroz doce. Também o pé-de-moleque e o amendoim. Bebida para quem chegar, refrigerante para beber. Meus olhos passeando pelas centelhas nos fogos subindo nas distâncias e os acordes afastando as tristezas: “Olha pro céu, meu amor, vê como ele está lindo, olha praquele balão multicor, como no céu vai sumindo. Foi numa noite igual a esta que tu me deste o coração, o céu estava assim em festa, pois era noite de São João...”.

Poeta e cronista
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