Por Rangel Alves
da Costa*
Ontem relatei
sobre minha tristeza e insatisfação pelo desaparecimento das comemorações
juninas na rua onde moro. A tradição junina simplesmente sumiu sem ao menos uma
bandeirola de adeus, sem um enfeite qualquer que recordasse o mês tão
tradicional.
E sumiu como
um foguete junino que nega fogo. A verdade é que esse ano o brilho e a
luminosidade dá rua deu lugar ao silêncio e às sombras das noites chuvosas. As
pessoas sequer falam nos festejos ou se mostram animadas para qualquer
comemoração. Pelo clima de desânimo total, certamente que nem as comidas de
coco serão saboreadas ao lado da fogueira.
Escrevi sobre
isso nas redes sociais e todos os comentários se voltaram para a crise
financeira que a todos afeta. Sim, sei que a situação está difícil demais, que
o dinheiro sumiu ou escasseou, mas ao menos umas bandeirolas deveriam ter sido
colocadas na rua. Em pleno mês de junho, de longa tradição festeira, uma rua
sem sequer uma bandeirinha é afronta demais ao orgulho nordestino.
Mas não me dou
por vencido. Vou salvar meu São João sem ter de arribar o pé aqui da rua. Acaso
desejasse sair, opções não faltariam, mas tudo envolvendo gente demais, perigo
demais, malandragem e roubalheira demais. Não creio ser uma boa ideia uma
pessoa que não dança nem bebe sequer cerveja se intrometer no meio de tanta
gente desconhecida, alcoolizada e com intenções as mais diversas e duvidosas.
Com efeito, há
o Forró Caju aqui pertinho, na região dos mercados, e também o Arraial do Povo
na Orla da Atalaia, além de outras atrações espalhadas pelos arredores da
cidade. Para quem gosta de estar no fuzuê tudo bem, pois ali o lugar ideal para
o que bem entender, mas eu fujo de tais festanças como o solitário do
visitante.
Não sou
festeiro, nunca fui festeiro, apenas comparecendo a eventos quando estou em
Poço Redondo, meu berço de nascimento. Quando eu bebia ainda me animava,
encontrava encorajamento para permanecer por mais tempo, mas agora tudo mais
comedido e até com pouca disposição para ouvir por muito tempo essas bandas que
apaixonam a juventude. Contudo, no São João de minha rua era diferente.
Mesmo sem
beber, organizava uma mesa farta para os amigos visitantes. Preparava até
pernil assado e outros tipos de carnes. Logicamente que não faltavam as
gostosuras juninas, como a canjica, o mungunzá e o arroz doce, além de diversas
bebidas. Apaixonado que sou por tudo que leve coco, a todo instante estava
taliscando um pedaço de alguma coisa. E caminhando pelo trecho, conversando com
um e outro, apreciando as atrações. Mas, e agora, quando não há mais festejo em
minha rua?
Agora só
reinventando o meu São João. Não há outra coisa a fazer senão fazer alguma
coisa ante aquilo que foi desfeito. Mesmo que a rua silencie, se esvazie
totalmente, faça de conta que nem é São João, ainda assim estarei à minha porta
com minha mesa, minhas comidas e alguma bebida para o amigo que chegue ou
passe. Certamente estarei envolto ao espírito junino ainda que sozinho até o
sono chegar.
Tenho um CD
com mais de cem músicas do Trio Nordestino que será de grande valia. Também
tenho Luiz Gonzaga e outros forrozeiros de ponta. Basta colocar o som rente ao
portão e fazer de conta que estou num arraial caipira, ao lado das fogueiras
sertanejas e avistando pessoas firmando laços de amizades ao redor das
labaredas. Pelos sertões, a simbologia da fogueira faz surgir compadres e dar
batismo aos crentes nas suas forças.
E do meu lado
o bolo de milho e de macaxeira, a canjica, o mungunzá, o arroz doce. Também o
pé-de-moleque e o amendoim. Bebida para quem chegar, refrigerante para beber.
Meus olhos passeando pelas centelhas nos fogos subindo nas distâncias e os
acordes afastando as tristezas: “Olha pro céu, meu amor, vê como ele está
lindo, olha praquele balão multicor, como no céu vai sumindo. Foi numa noite
igual a esta que tu me deste o coração, o céu estava assim em festa, pois era
noite de São João...”.
Poeta e
cronista
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