Por Rangel Alves
da Costa*
Enquanto
algumas tradições juninas vão rareando ou sumindo, outros usos vão tentando se
manter a todo custo, e a cada ano se mostrando até mais persistentes. Este é o
caso das alpercatas de couro cru, de tiras mais finas e solado pouco
resistente, também chamadas priquitinhas.
Não há que
duvidar que o nome da sandália surgiu de forma mal intencionada. Mas de
qualquer modo não há São João ou São Pedro sem priquitinha e não há festança do
mês onde ela não seja avistada, cheirando ou não, moldurando os pés
nordestinos. Assim como a roupa florida, a camisa listrada, o chapéu, a
fogueira, o rojão, a sanfona, a canjica, o forró e o quentão, a priquitinha
cheira mesmo é a prazer junino, a festança, a diversão caipira. Mas muitos usam
a qualquer tempo, pelo simples conforto que ela proporciona.
Todo
nordestino conhece e gosta de uma priquitinha, principalmente por possuir a
feição caipira apropriada ao período junino, ser muito mais leve que as
autênticas “aprecatas” de couro cru e também pelo preço bem mais acessível.
Tais características a torna muito utilizada pelos quadrilheiros e pela
juventude quando se enfeita para os forrós e outros festejos juninos. Por ser
oferecida pelas ruas, esquinas e através de ambulantes, e de todos os tamanhos,
não há pai que não se sinta atraído por uma para o seu pequenino.
Os livros e
dicionários conceituam de maneira diversificada a priquitinha, ora de modo
correto ora de modo depreciativo ou jocoso. Afirmam ser uma sandália
típica nordestina feita de couro cru, mas também o nome dado a uma sandália
malcheirosa e muito em voga entre os nordestinos. É a sandália feita
artesanalmente e vendida no período junino, de aparência atraente, porém com um
cheiro não muito agradável. E ainda que é o apelido de uma sandália fedorenta.
Com efeito, a
priquitinha é malcheirosa, principalmente se feita realmente de couro cru,
ainda que com correias muito mais finas que as alpercatas nordestinas de uso
comum na região sertaneja. Todo chinelo de couro é fedido, e quando o couro
está novo então. Quando molhado fica ainda pior, com cheiro quase insuportável.
Como o mês de junho é sempre propício a fortes chuvaradas, então muita
priquitinha malcheirosa vai passando pelas ruas ou chinelando pelos salões e
arraiás.
Neste período
do ano, Aracaju se vê completamente tomada por vendedores destas sandálias,
algo como uma invasão das priquitinhas. Mesmo que pelos mercados existam tais
chinelos em profusão, os ambulantes chegam com tamanho número de sandálias que
mais parece a maior novidade do mundo, um modismo atraente a todos. E um amigo
já afirmou que o número de priquitinhas pelas ruas é tão grande que daria dois
pares para cada pé de aracajuano. Não há esquina ou lugar que não se encontre
um forasteiro com uma penca inteira de couro cru de todos os tamanhos.
Os vendedores
são todos forasteiros, geralmente da Bahia, chegados diretamente de Caldas do
Jorro, no município de Tucano, além de outros municípios de grande produção
artesanal baseada no couro. Chegam em ônibus lotados, alugam quartos pelos
centros da cidade, onde cada aposento recebe cerca de dez vendedores que se
instalam como podem, e a partir daí a cidade se enche desse produto junino. O
preço até que é acessível para uma priquitinha bonita, novinha e atraente.
Os vendedores
logo dizem que o cheiro acentuado logo passará com o uso, com o amolecimento do
couro cru. E também que se evite molhar ou ficar cheirando pensando que é outra
coisa. De resto é só calçar e sair por aí levando nos pés a identidade
nordestina. Mesmo sendo de couro menos resistente, é da mesma lavra do chinelo
matuto que o sertanejo utiliza para cortar mundo e ser o que é: o mais
autêntico dos homens.
Poeta e
cronista
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