quarta-feira, 3 de junho de 2015

A INVASÃO DAS PRIQUITINHAS

Por Rangel Alves da Costa*

Enquanto algumas tradições juninas vão rareando ou sumindo, outros usos vão tentando se manter a todo custo, e a cada ano se mostrando até mais persistentes. Este é o caso das alpercatas de couro cru, de tiras mais finas e solado pouco resistente, também chamadas priquitinhas.

Não há que duvidar que o nome da sandália surgiu de forma mal intencionada. Mas de qualquer modo não há São João ou São Pedro sem priquitinha e não há festança do mês onde ela não seja avistada, cheirando ou não, moldurando os pés nordestinos. Assim como a roupa florida, a camisa listrada, o chapéu, a fogueira, o rojão, a sanfona, a canjica, o forró e o quentão, a priquitinha cheira mesmo é a prazer junino, a festança, a diversão caipira. Mas muitos usam a qualquer tempo, pelo simples conforto que ela proporciona.

Todo nordestino conhece e gosta de uma priquitinha, principalmente por possuir a feição caipira apropriada ao período junino, ser muito mais leve que as autênticas “aprecatas” de couro cru e também pelo preço bem mais acessível. Tais características a torna muito utilizada pelos quadrilheiros e pela juventude quando se enfeita para os forrós e outros festejos juninos. Por ser oferecida pelas ruas, esquinas e através de ambulantes, e de todos os tamanhos, não há pai que não se sinta atraído por uma para o seu pequenino.

Os livros e dicionários conceituam de maneira diversificada a priquitinha, ora de modo correto ora de modo depreciativo ou jocoso.  Afirmam ser uma sandália típica nordestina feita de couro cru, mas também o nome dado a uma sandália malcheirosa e muito em voga entre os nordestinos. É a sandália feita artesanalmente e vendida no período junino, de aparência atraente, porém com um cheiro não muito agradável. E ainda que é o apelido de uma sandália fedorenta.


Com efeito, a priquitinha é malcheirosa, principalmente se feita realmente de couro cru, ainda que com correias muito mais finas que as alpercatas nordestinas de uso comum na região sertaneja. Todo chinelo de couro é fedido, e quando o couro está novo então. Quando molhado fica ainda pior, com cheiro quase insuportável. Como o mês de junho é sempre propício a fortes chuvaradas, então muita priquitinha malcheirosa vai passando pelas ruas ou chinelando pelos salões e arraiás.

Neste período do ano, Aracaju se vê completamente tomada por vendedores destas sandálias, algo como uma invasão das priquitinhas. Mesmo que pelos mercados existam tais chinelos em profusão, os ambulantes chegam com tamanho número de sandálias que mais parece a maior novidade do mundo, um modismo atraente a todos. E um amigo já afirmou que o número de priquitinhas pelas ruas é tão grande que daria dois pares para cada pé de aracajuano. Não há esquina ou lugar que não se encontre um forasteiro com uma penca inteira de couro cru de todos os tamanhos.

Os vendedores são todos forasteiros, geralmente da Bahia, chegados diretamente de Caldas do Jorro, no município de Tucano, além de outros municípios de grande produção artesanal baseada no couro. Chegam em ônibus lotados, alugam quartos pelos centros da cidade, onde cada aposento recebe cerca de dez vendedores que se instalam como podem, e a partir daí a cidade se enche desse produto junino. O preço até que é acessível para uma priquitinha bonita, novinha e atraente.

Os vendedores logo dizem que o cheiro acentuado logo passará com o uso, com o amolecimento do couro cru. E também que se evite molhar ou ficar cheirando pensando que é outra coisa. De resto é só calçar e sair por aí levando nos pés a identidade nordestina. Mesmo sendo de couro menos resistente, é da mesma lavra do chinelo matuto que o sertanejo utiliza para cortar mundo e ser o que é: o mais autêntico dos homens.

Poeta e cronista
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