sábado, 30 de maio de 2015

VIVER

Por Rangel Alves da Costa*

A vida se apresenta de modo diferente a todo mundo. O seu sentido, a sua forma, a sua expressão, tudo se diferencia em cada um. Ninguém possui o mesmo pensamento do outro, ninguém age da mesma forma, ninguém espelha a realidade vivenciada por outra pessoa.

Pessoas que moram na mesma casa pensam e agem de modo diverso, irmãos gêmeos não seguem a mesma direção nem praticam os mesmos atos, até a própria pessoa se distancia de si mesma, pois instintivamente age contrariando a normalidade racional.

Gente há que já nasce trazendo consigo sentimentalismos exacerbados. Outros vingam e vão brotando com uma dureza de pedra, com insensibilidade e até mesmo indiferença. Enquanto uns são emotivos e compassivos, outros se comprazem em negar o próximo e até a si mesmos.

Gente há que cresce sem perder o sonho e sonhando vai até que a realidade da vida lhe feche os olhos. Abre a janela e logo se encanta com a paisagem ao redor, avista a nuvem e começa a ler poesias escritas no espaço. Cuida do jardim e faz da flor um diálogo singelo com o coração.

Mas também aqueles que se fecham em seus mundos, se escondem de tudo e quando aparecem é para negar a existência. Nada lhes parece bonito, agradável, prazeroso. Não dá um bom dia a ninguém e sempre acha melhor que não seja cumprimentado. Pisa no jardim com solado para espinhos, jamais enxerga uma flor.

Há a vida humilde, empobrecida, necessitada de quase tudo. E viver nessa situação exige o ajustamento de conduta. Ao menos deveria ser assim. Enquanto alguns se sentem ainda mais motivados às conquistas pela situação em que se encontram, outros se lançam ao desprezo da própria situação. E se empobrecem ainda mais de espírito e de ação.

Uma é pobre e tão feliz. Reconhece o que tem e o que não pode dispor, e vai transformando o que possui na maior riqueza do mundo. Agradece pelo pão e quer conquistar a sobremesa, se contenta com a roupa de feira e diz que vai ter uma de loja. E sorri, e canta, e nada consegue entristecer.


Outro toma seu café ralo, com pouco açúcar, mastiga um naco de pão dormido ou um tantinho de farinha seca com toucinho, depois vai sorrir para o sol antes de trabalhar. Pinica o fumo de rolo, pega a palha de milho, faz o cigarro matuto e vai assuntando como o seu mundo poderia ser melhor. E não deseja casa nova, carro, qualquer luxo, mas tão somente a chegada das primeiras trovoadas. Este o sentido da vida.

O menino corre de canto a outro, voa atrás de passarinho, se mete pelo mato atrás de calango corredor, vai vaqueirar sua fazenda de ponta de vaca, segue até o barreiro para fazer um boi bonito com o barro visguento, e ainda tem tempo de soltar pipa, desandar pelo mundo em cima do cavalo de pau e de sonhar o sonho bom de todo menino.

Um acorda ainda no escurecido da madrugada para fazer o leite chegar à porta ao alvorecer. Uma desce para o riachinho com imensa trouxa de roupa à cabeça e já vai pensando o que cantar enquanto bate a sujeira nas pedras molhadas e passa no sujo o sabão nativo. E o tempo vai passando e ela cantando os cantos das lavadeiras, ecos de voz molhada e cheia de felicidade.

Também canta a outra enquanto estende a roupa no varal. E logo sente a velha senhora chegar com sua cadeira de balanço e escolher um sombreado debaixo do juazeiro para fazer o que todo dia repete enquanto a ventania vai enxugando e balançando os panos: pensar nos vivos, recordar os mortos, viajar pelas estradas passadas, entristecer e chorar. Todo dia assim.

Mas nem todo mundo vive assim, é verdade. Uma não abre a janela senão para cuidar da vida alheia, não sai à porta senão para contar fofoca. Um pensa em vencer na vida passando por cima de tudo que encontrar. E tantos e tantos outros que vivem armados de ódio, de covardia, de violência. Vão espalhando suas arrogâncias até que um misterioso silêncio os faz renegados da própria vida.

Assim o viver entre uns e outros, entre tantos e todos. Desde o amanhecer ao anoitecer, vidas tão diferentes que vão construindo seus mundos e colhendo as dádivas e as dores do que semearam.

Poeta e cronista
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