domingo, 17 de maio de 2015

OUTRA INFÂNCIA

Por Rangel Alves da Costa*

Igualmente ao mundo, a infância e a meninice também passaram por muitas transformações. A criança de hoje mal se acostuma com a existência e já é tratada como gente grande, principalmente sendo educada e vigiada para se comportar como um adulto. Tal atitude dos pais é um grande erro, vez que aos pequeninos deve ser reconhecido o direito de serem apenas crianças. E isto implica em fantasiar o mundo como bem desejarem.

O conhecimento de mundo nasce desses primeiros instantes de magia e encontros inusitados. O cuidado que se deve ter, pois, é tão somente para que se sinta protegida e desimpedida, se sinta confortada e amada. Daí seu sorriso com o ninar, com brinquedinhos ao redor, com as cantigas de avoar. Contudo, infelizmente quase não tem tempo de desfrutar das belezas da idade nem mesmo de brincar, chorar à vontade, se esbaldar pelo chão.

Mas nem sempre foi assim. Noutros idos, criança era tratada como criança. Relevava-se pela idade e pelo prazer de tê-la envolvida com seu mundo mágico. Alegrava o coração da mamãe e da vovó avistar os seus pequeninos, ou mesmo já grandinhos, extasiados com as descobertas e revirando tudo para querer acertar. Hoje praticamente não existe mais os carinhos e os afetos entranhados em pais e filhos. Não raro que as babás passam a substituir o cuidado maternal.

Os cafunés das vovós, os dengos, as estórias encantadas, tudo parece ter sumido também. No passado – ou nos tempos da vovó, como se costuma dizer -, os netinhos eram aconchegados nos colos e os dedos começavam a passear pelos cabelos e fazer cafunés. Era tão gostoso que a estória do príncipe guerreiro cedia lugar ao sono solto da meninada.

Também os avôs chamavam os netinhos na rede estendida na varanda ou debaixo do pé de pau e começavam a contar causos e proseados encantadores. Os meninos não gostavam muito daquelas que começavam dizendo que uma vez um menino que era teimoso ou que não ouvia os pais, e sim daquelas que eram iniciadas com era uma vez num lugar muito distante...


Nos quartos empobrecidos, com a janela aberta para a luz e o ar fresco entrar, a mão balançava carinhosamente o berço e a voz meiga cantarolava: “Boi, boi, boi, boi da cara preta, pegue essa criança que tem medo de careta...”. Ou ainda, pegue essa criança que não quer largar a chupeta, pegue esse menino que pra dormir faz pirueta, pegue essa menina e tome dela a borboleta...

Assim as mães ninavam seus filhos. E também cantando outras cantigas que ainda hoje encantam saudosamente: “Dorme neném que a Cuca vem pegar. Papai foi na roça e mamãe vai trabalhar”. Ou dorme bebê que a Cuca vai chegar, se não dormir logo ela vem pra te levar...”. Inesquecível também aquela do bicho papão: “Bicho-papão sai de cima do telhado, deixa esse menino dormir sossegado”. Ou ainda, “Bicho-papão debaixo dessa cama, o menino é da mamãe que tanto, tanto ama...”.

As crianças com idade mais avançada adormeciam envoltas em contentamento depois das brincadeiras noturnas debaixo da lua cheia, ora correndo, ora brincando de pular, de se esconder, mas principalmente nas rodas ou cirandas. De mãos dadas, as meninas iam rodando e cantando: “Alecrim, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado. Oh meu amor, oh meu amor, quem te disse assim, que a flor do campo é o alecrim?...”.

“Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, só pra ver, só pra ver meu bem passar. Nesta rua, nesta rua tem um bosque que se chama, que se chama solidão, dentro dele, dentro dele mora um anjo que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu roubei teu coração, tu roubaste, tu roubaste o meu também. Se eu roubei, se eu roubei teu coração, é porque, é porque te quero bem”.

“Como pode o peixe vivo viver fora d'água fria? Como pode o peixe vivo viver fora d'água fria? Como poderei viver, como poderei viver, sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia?...”.

E o menino se danava com seu cavalo de pau, alazão de graveto e cordame, catando a estrela mais bela para a sua amada. Um amor de criança, mas sempre mais belo e sincero que qualquer outro amor noutra idade. Por isso que não há como esquecer o poeta: “Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!...”.

Poeta e cronista
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