Por Rangel Alves
da Costa*
Igualmente ao
mundo, a infância e a meninice também passaram por muitas transformações. A
criança de hoje mal se acostuma com a existência e já é tratada como gente
grande, principalmente sendo educada e vigiada para se comportar como um
adulto. Tal atitude dos pais é um grande erro, vez que aos pequeninos deve ser
reconhecido o direito de serem apenas crianças. E isto implica em fantasiar o
mundo como bem desejarem.
O conhecimento
de mundo nasce desses primeiros instantes de magia e encontros inusitados. O
cuidado que se deve ter, pois, é tão somente para que se sinta protegida e
desimpedida, se sinta confortada e amada. Daí seu sorriso com o ninar, com
brinquedinhos ao redor, com as cantigas de avoar. Contudo, infelizmente quase
não tem tempo de desfrutar das belezas da idade nem mesmo de brincar, chorar à
vontade, se esbaldar pelo chão.
Mas nem sempre
foi assim. Noutros idos, criança era tratada como criança. Relevava-se pela
idade e pelo prazer de tê-la envolvida com seu mundo mágico. Alegrava o coração
da mamãe e da vovó avistar os seus pequeninos, ou mesmo já grandinhos,
extasiados com as descobertas e revirando tudo para querer acertar. Hoje
praticamente não existe mais os carinhos e os afetos entranhados em pais e
filhos. Não raro que as babás passam a substituir o cuidado maternal.
Os cafunés das
vovós, os dengos, as estórias encantadas, tudo parece ter sumido também. No
passado – ou nos tempos da vovó, como se costuma dizer -, os netinhos eram
aconchegados nos colos e os dedos começavam a passear pelos cabelos e fazer
cafunés. Era tão gostoso que a estória do príncipe guerreiro cedia lugar ao
sono solto da meninada.
Também os avôs
chamavam os netinhos na rede estendida na varanda ou debaixo do pé de pau e
começavam a contar causos e proseados encantadores. Os meninos não gostavam
muito daquelas que começavam dizendo que uma vez um menino que era teimoso ou
que não ouvia os pais, e sim daquelas que eram iniciadas com era uma vez num
lugar muito distante...
Nos quartos
empobrecidos, com a janela aberta para a luz e o ar fresco entrar, a mão
balançava carinhosamente o berço e a voz meiga cantarolava: “Boi, boi, boi, boi
da cara preta, pegue essa criança que tem medo de careta...”. Ou ainda, pegue
essa criança que não quer largar a chupeta, pegue esse menino que pra dormir
faz pirueta, pegue essa menina e tome dela a borboleta...
Assim as mães
ninavam seus filhos. E também cantando outras cantigas que ainda hoje encantam
saudosamente: “Dorme neném que a Cuca vem pegar. Papai foi na roça e mamãe vai
trabalhar”. Ou dorme bebê que a Cuca vai chegar, se não dormir logo ela vem pra
te levar...”. Inesquecível também aquela do bicho papão: “Bicho-papão sai de
cima do telhado, deixa esse menino dormir sossegado”. Ou ainda, “Bicho-papão
debaixo dessa cama, o menino é da mamãe que tanto, tanto ama...”.
As crianças
com idade mais avançada adormeciam envoltas em contentamento depois das
brincadeiras noturnas debaixo da lua cheia, ora correndo, ora brincando de
pular, de se esconder, mas principalmente nas rodas ou cirandas. De mãos dadas,
as meninas iam rodando e cantando: “Alecrim, alecrim dourado que nasceu no
campo sem ser semeado. Oh meu amor, oh meu amor, quem te disse assim, que a
flor do campo é o alecrim?...”.
“Se essa rua,
se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com
pedrinhas de brilhantes, só pra ver, só pra ver meu bem passar. Nesta rua,
nesta rua tem um bosque que se chama, que se chama solidão, dentro dele, dentro
dele mora um anjo que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu
roubei teu coração, tu roubaste, tu roubaste o meu também. Se eu roubei, se eu
roubei teu coração, é porque, é porque te quero bem”.
“Como pode o
peixe vivo viver fora d'água fria? Como pode o peixe vivo viver fora d'água
fria? Como poderei viver, como poderei viver, sem a tua, sem a tua, sem a tua
companhia?...”.
E o menino se
danava com seu cavalo de pau, alazão de graveto e cordame, catando a estrela
mais bela para a sua amada. Um amor de criança, mas sempre mais belo e sincero
que qualquer outro amor noutra idade. Por isso que não há como esquecer o
poeta: “Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância
querida que os anos não trazem mais!...”.
Poeta e
cronista
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