Por Rangel Alves
da Costa*
Outro dia
escrevi numa rede social que a falta de água em Aracaju estava servindo para
que o citadino sentisse na pele o que o sertanejo secularmente sofre na alma. O
que expus logicamente foi no sentido de mostrar que somente com o desabamento
de uma adutora e, consequentemente, o desabastecimento da capital, a dor sempre
sentida pelo sertanejo respingava na população da capital e região
metropolitana.
Contudo, a
expressão possui um alcance ainda maior à medida que se mostra também como uma
crítica ao tratamento que é dado às duas situações. Ora, bastou que as
torneiras se negassem a pingar e logo o mundo quase acaba. E ainda hoje, mesmo
com o reabastecimento parcial, as queixas alardeiam com voracidade. Existe a
mesma preocupação das autoridades quando o problema está ocorrendo no sertão
sergipano?
É de
constatação científica que a seca é condicionante climática que jamais será
debelada. Quer dizer, a seca sempre existirá em maior ou menor proporção, pois
nenhum conhecimento humano é capaz de modificar os ciclos próprios da natureza.
Por consequência, os problemas continuarão persistindo a cada nova estiagem que
chegue. E ela não dura muito para se estender pela vastidão sertaneja.
O tratamento
que é dado ao sertão esturricado é o mesmo desde os tempos mais antigos. A cada
estiagem ações pontuais são realizadas, medidas paliativas são tomadas, esmolas
são providenciadas, promessas de resolução surgem aos montes, principalmente em
período eleitoral. E assim o sertão vai sofrendo, sempre padecendo da situação
tão natural ao lugar e sempre vergonhosamente submetido ao descaso e à omissão
dos poderes públicos.
Dessa
propensão natural ao surgimento da estiagem, logicamente que os setores
governamentais de combate aos problemas das secas já possuem uma ampla
visualização das mazelas vindouras com muita antecedência. Seca no sertão não
surpreende ninguém, é fato, é dado. Ainda assim as ações nunca são tomadas a
tempo, as medidas nunca são a contento, tudo é tratado como se a fome e a sede
de seres humanos e animais pudessem esperar.
Sou sertanejo
e conheço como tudo funciona. Somente quando o mundo está acabando é que as
medidas paliativas começam a serem tomadas, cestas básicas são distribuídas em
pequena quantidade, carros-pipas começam a escolher seus destinatários. É
quando se passa horas e horas numa beira de estrada ou numa fila de povoação
esperando que o motorista do caminhão tenha boa vontade e encha uma lata
d’água. Boa vontade porque os carregamentos geralmente são direcionados pelas
autoridades aos apadrinhados e lideranças políticas.
Toda essa
situação vergonhosa e desumana não é minimizada pelo simples fato de que o
abastecimento de água na região sempre apresenta problemas. Não raro que
populações inteiras fiquem dias, semanas e até meses sem que uma gota d’água
caia da torneira. E nem a companhia de abastecimento de água do estado nem as
autoridades competentes ficam minimamente preocupadas com a resolução dos
problemas. Tubulações se rompem e os canos permanecem esquecidos, máquinas
distribuidoras ficam danificadas e assim continuam por longo tempo, caixas de
distribuição apresentam problemas e tudo se eterniza para ser resolvido. E por
que não há a mesma rapidez observada agora na capital?
A verdade é
que quando as torneiras secam na região sertaneja não há a mínima preocupação
na solução do problema, e nada parecido com a agilidade e tecnologia, empenho e
obstinação, colocados à disposição da resolução do desabastecimento da Grande
Aracaju. Também verdade que cerca de um milhão de pessoas estavam afetadas.
Contudo, não há como não perceber a dimensão da região sertaneja, do seu grande
número de cidades e povoações, bem como de uma população que vive secularmente
sofrida.
Reconhece-se,
enfim, que quando há desejo, interesse, voz de mando e comando, a coisa
funciona a contento. Mesmo se omitindo na manutenção da ponte e da tubulação
desabadas, o governo chamou para si a responsabilidade de solucionar
rapidamente o problema. E o abastecimento já está se normalizando. E por que
somente para o sertão tudo se torna tão difícil, vagaroso, ao deus-dará?
Muito fácil de
responder. Falta de interesse dos governantes e autoridades, desrespeito ao
povo, preconceito e discriminação para com o sertanejo. Apenas isso.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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