Por Rangel Alves
da Costa*
Leia como
verdade intimista o que relato agora. Não gosto de escrever sobre os meus
sentimentos nem sobre minhas alegrias e aflições. O que escrevo é quase sempre
ficcional ou de cunho memorialista. Mas sinto necessidade de adentrar um pouco
mais no meu próprio mundo.
Já passei dos
cinquenta e faz pouco tempo que passei a dividir o meu mundo apenas comigo
mesmo. Convivi por mais de dezesseis anos, mas de repente a porta se abriu. Não
podia impedir uma decisão pessoal. Cada um procura aquilo que deseja.
Como não sou
de ir, fiquei. E fiquei sem angústias, sem sofrimentos, sem aflições. Chega um
tempo na vida que a pessoa deve enfrentar a realidade sem desafiar o destino ou
colocar culpa em qualquer coisa. As coisas simplesmente acontecem.
Depois que
fiquei sozinho apenas permaneci como sempre fui: sozinho. E solitário sou ainda
que esteja convivendo com alguém. Não a solidão de não compartilhar a presença
e a vida do outro, mas a solidão arraigada dentro da alma, impregnada no
espírito e no jeito de ser.
Sempre fui
solitário, triste, melancólico. Quem me conhece percebe a minha distância do
mundo. Desde muito que deixei de frequentar barzinhos, virar a noite tomando
todas, escrever poesias cheirando a limão.
Não sou de
sair para diversões, shoppings, baladas, curtições. Creio que já passam de seis
anos que não coloco os pés numa areia de praia nem me lanço a meditar naquele
cair da tarde. Sinto-me até constrangido quando sou convidado para eventos ou
para falar de minha literatura, pois acabo não indo.
Vivo no mundo
que é apenas meu. Talvez eu fira determinadas pessoas por ser assim, mas é
assim que eu sou. Somente em pontuais situações saio do meu abrigo: quando há
audiência marcada e quando vou ao mercadinho ou à feira. De vez em quando
caminho em direção à catedral ou para resolver algum problema. E só isso.
Levanto em
torno das três da madrugada, geralmente um pouco menos, e daí começa o meu dia.
Tomo o primeiro café forte e sem açúcar, fumo meu cigarro, tomo um banho e
sento diante do computador para dedilhar petições ou outros textos.
Passo o dia
inteiro envolto no mundo da palavra escrita e sempre recolhido às minhas quatro
paredes. Quem quiser me avistar tem de aparecer, pois dificilmente irá me
encontrar por aí. Por isso mesmo que tenho tão poucos amigos. Pouquíssimos. Ao
menos na capital.
Como a
jornalista Clara Angélica certa vez escreveu no jornal O Que, Rangel conhece
poucos e também por poucos é conhecido. Isso já faz mais de vinte anos, mas
continuo assim, apenas um desconhecido em meio a tanta gente.
Assim minha
vida. Ou parte de minha vida. A outra parte, aquela que convive comigo, é
sempre silenciosa, nostálgica, triste, reflexiva. E isso reflete nos meus
gostos. Gosto da noite, do silêncio total, da madrugada chuvosa, de rebuscar na
memória o que mereça ser recordado. Mas nem tudo que me chega o faz
desacompanhado de lenço.
Gosto de mirar
a lua, de sentir a chuva se derramando pelas calçadas, de observar coisas
simples e significativas. E entristeço ainda mais quando sinto que o mundo onde
piso e onde estou não é verdadeiramente aquele que gostaria de estar. Ora, o
meu mundo é o sertão.
Dói demais
sentir na alma esse exílio, essa fronteira que me separa da minha terra, da
minha gente, da minha lua e do meu sol. Sou catingueira fincada no asfalto e
calango sem pedra grande para balançar a cabeça contente por reconhecer toda a
vida ao redor. E nada reconheço na cidade grande.
Voltar a viver
sozinho, sem a companheira que imaginei acostumada com meu jeito de ser, não
provocou o mínimo de abalo sentimental, não me fez ficar mais triste ou menos
triste. Continuo absolutamente o mesmo. Portanto, nada tenho a refazer senão
viver o que sempre fui e do jeito que sou.
Mas nunca mais
quero que alguém divida comigo o meu quarto de dormir, principalmente porque
sempre dormi em rede. Quero viver minha solidão em plenitude, quero ter todo o
silêncio do mundo para falar apenas comigo mesmo. É melhor assim do que ferir
um amor.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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