quinta-feira, 21 de maio de 2015

NADA REFAZER

Por Rangel Alves da Costa*

Leia como verdade intimista o que relato agora. Não gosto de escrever sobre os meus sentimentos nem sobre minhas alegrias e aflições. O que escrevo é quase sempre ficcional ou de cunho memorialista. Mas sinto necessidade de adentrar um pouco mais no meu próprio mundo.

Já passei dos cinquenta e faz pouco tempo que passei a dividir o meu mundo apenas comigo mesmo. Convivi por mais de dezesseis anos, mas de repente a porta se abriu. Não podia impedir uma decisão pessoal. Cada um procura aquilo que deseja.

Como não sou de ir, fiquei. E fiquei sem angústias, sem sofrimentos, sem aflições. Chega um tempo na vida que a pessoa deve enfrentar a realidade sem desafiar o destino ou colocar culpa em qualquer coisa. As coisas simplesmente acontecem.

Depois que fiquei sozinho apenas permaneci como sempre fui: sozinho. E solitário sou ainda que esteja convivendo com alguém. Não a solidão de não compartilhar a presença e a vida do outro, mas a solidão arraigada dentro da alma, impregnada no espírito e no jeito de ser.

Sempre fui solitário, triste, melancólico. Quem me conhece percebe a minha distância do mundo. Desde muito que deixei de frequentar barzinhos, virar a noite tomando todas, escrever poesias cheirando a limão.

Não sou de sair para diversões, shoppings, baladas, curtições. Creio que já passam de seis anos que não coloco os pés numa areia de praia nem me lanço a meditar naquele cair da tarde. Sinto-me até constrangido quando sou convidado para eventos ou para falar de minha literatura, pois acabo não indo.

Vivo no mundo que é apenas meu. Talvez eu fira determinadas pessoas por ser assim, mas é assim que eu sou. Somente em pontuais situações saio do meu abrigo: quando há audiência marcada e quando vou ao mercadinho ou à feira. De vez em quando caminho em direção à catedral ou para resolver algum problema. E só isso.


Levanto em torno das três da madrugada, geralmente um pouco menos, e daí começa o meu dia. Tomo o primeiro café forte e sem açúcar, fumo meu cigarro, tomo um banho e sento diante do computador para dedilhar petições ou outros textos.

Passo o dia inteiro envolto no mundo da palavra escrita e sempre recolhido às minhas quatro paredes. Quem quiser me avistar tem de aparecer, pois dificilmente irá me encontrar por aí. Por isso mesmo que tenho tão poucos amigos. Pouquíssimos. Ao menos na capital.

Como a jornalista Clara Angélica certa vez escreveu no jornal O Que, Rangel conhece poucos e também por poucos é conhecido. Isso já faz mais de vinte anos, mas continuo assim, apenas um desconhecido em meio a tanta gente.

Assim minha vida. Ou parte de minha vida. A outra parte, aquela que convive comigo, é sempre silenciosa, nostálgica, triste, reflexiva. E isso reflete nos meus gostos. Gosto da noite, do silêncio total, da madrugada chuvosa, de rebuscar na memória o que mereça ser recordado. Mas nem tudo que me chega o faz desacompanhado de lenço.

Gosto de mirar a lua, de sentir a chuva se derramando pelas calçadas, de observar coisas simples e significativas. E entristeço ainda mais quando sinto que o mundo onde piso e onde estou não é verdadeiramente aquele que gostaria de estar. Ora, o meu mundo é o sertão.

Dói demais sentir na alma esse exílio, essa fronteira que me separa da minha terra, da minha gente, da minha lua e do meu sol. Sou catingueira fincada no asfalto e calango sem pedra grande para balançar a cabeça contente por reconhecer toda a vida ao redor. E nada reconheço na cidade grande.

Voltar a viver sozinho, sem a companheira que imaginei acostumada com meu jeito de ser, não provocou o mínimo de abalo sentimental, não me fez ficar mais triste ou menos triste. Continuo absolutamente o mesmo. Portanto, nada tenho a refazer senão viver o que sempre fui e do jeito que sou.

Mas nunca mais quero que alguém divida comigo o meu quarto de dormir, principalmente porque sempre dormi em rede. Quero viver minha solidão em plenitude, quero ter todo o silêncio do mundo para falar apenas comigo mesmo. É melhor assim do que ferir um amor.

Poeta e cronista
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