segunda-feira, 18 de maio de 2015

DE PARIS A ROMA A PÉ

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Imagine se você, caro leitor, teria coragem de fazer uma viagem do Crato até Belém do Pará andando a pé os 1480 km de distância, sem aceitar carona, dormindo debaixo de barracas de lona, sobre esteiras ou colchonetes às margens das rodovias, ou em hotelzinhos de beira de estrada ou ainda em casas religiosas, se por acaso existissem? E se você tivesse 75 anos de idade, mesmo assim se arriscaria a tamanha aventura? Nem mesmo se tivesse uma causa tão importante que o motivasse para realizar tal jornada? Seria algum protesto de grande porte que chamasse a atenção da opinião pública mundial? Pois saibam todos, que uma distância um pouquinho maior do que essa foi percorrida pelo sacerdote redentorista francês, Padre Henry-Marie Le Bouriscaud,  quando ele tinha a idade de 75 anos. Ele viajou 1507 km à pé de Paris até Roma para apresentar ao Papa João Paulo II seus protestos sobre a forma como a Igreja Católica enfrentava as questões vitais para o cristão de hoje. Para o teólogo alemão Bernhard Häring, "Henry teve a coragem de se por a caminho, porque estava convencido de possuir dentro de si uma mensagem que devia transmitir aos outros, a mensagem da liberdade e da felicidade criadora." O próprio padre Henry escreve na abertura de seu livro: "PARIS-ROMA, 1500km a pé". "Meter-se na aventura de percorrer a pé 1500km, de Paris a Roma pelas perigosas auto-estradas nacionais, não foi fruto de entusiasmo irrefletido de um septuagenário, mas o fecho de ouro de uma longa caminhada pessoal." Para ele, essa decisão não foi um ato individual, mas algo repleto de reciprocidade, pois jovens e idosos reagiram à essa sua idéia.

O Padre Henry foi ordenado sacerdote aos vinte e seis anos, tendo iniciado sua vida sacerdotal no Seminário Redentorista de Paris, como professor e missionário. Logo percebeu que ele tinha tudo em sua vida, nada lhe faltava. Boa alimentação, um leito confortável, bons agasalhos, bem diferente daquilo que Jesus Cristo viveu e que milhões de pobres no mundo atual vivem. Então decidiu sair de sua zona de conforto e morar no meio dos pobres, em barracas junto a milhares de imigrantes portugueses. 

Após conhecer Abbé Pierre, como era mais conhecido entre os pobres da França o frade capuchinho Henri Antoine Groués, fundador do Movimento Emaús, o Padre Henri entrou para a comunidade como simples companheiro de rua. Em 1972 fundou o Movimento Emaús Liberdade, em Charenton-Paris. Em seguida não se acomodou. Levou a idéia do Movimento Emaús a outros países, inclusive o Brasil. Em Fortaleza existe em pelo menos cinco bairros pobres: Pirambu, Vila-Velha, Jereissati I -Maracanaú e Pajuçara. Para quem não conhece o Movimento Emaús, ele funciona como uma espécie de cooperativa, que recebe doações de móveis usados, eletrodomésticos defeituosos e outros artigos inservíveis, que após recuperados, reformulados, são vendidos nos bazares do movimento. É fonte de emprego e renda para os participantes, uma forma concreta de retirá-los da miséria absoluta.  

A Viagem do Padre Henry de Paris a Roma durou três meses e oito dias. Partiu da praça de Notre Dame, em 15 de junho de 1995. Para sua surpresa, Jürgen Falkenberg, um jovem alemão, que o conhecia do Movimento Emaús resolveu acompanhá-lo, pois temia que ele partisse sozinho, sem experiências de caminhada pelas auto-estradas francesas, pelas travessias de túneis cheios de curvas, alguns deles com mais de 20km de extensão. Todo o percurso teve um roteiro previamente preparado, contendo a distância a ser percorrida a cada dia, algo entre 15 e 20km, dias de repouso semanal, lugares para pernoites e alimentação, que era preparada pelos próprios viajantes. A chegada em Roma se deu a 23 de setembro de 1995, três meses de uma longa caminhada.

Infelizmente, ele não pode ser recebido pelo Papa, que partiria no dia seguinte em viagem a Nova Iorque. Então solicitou ao seu compatriota, o Cardeal Etchegaray, vice-decano do Colégio Cardinalício, para entregar ao Papa João Paulo II uma carta com críticas e sugestões, tudo o que ele sentia. Entre os principais pontos: o excesso de gastos que os países pobres realizavam com as viagens e a segurança em torno do Papa, a condenação que o pontificado dedicou à Teologia da Libertação, citando entre outros, o teólogo brasileiro Leonardo Boff. Também tratou de temas polêmicos como a abolição do celibato para os padres, ordenação de casais e também das mulheres, entre tantos outros, ainda hoje uma esperança de serem postos em prática por reformas mais profundas.
   
Eu e Magali tivemos a alegria de conhecer o Padre Henry que desde 2009 reside em Fortaleza. Atualmente aos 94 anos, vive com os pobres da Vila Velha, sob os cuidados do advogado Airton Barreto e sua esposa, cristãos autênticos, que deixaram o conforto proporcionado por sua família de classe média, para viver como pobre, entre os pobres do Pirambu e da Vila Velha.    

Por Carlos Eduardo Esmeraldo
Para maiores informações ou aquisição do livro do Padre Henry:
Movimento Emaús Vila Velha
Rua Moraújo, 651 - Jardim Guanabara
CEP  60 346 770 Fortaleza- CE
emausvive@emausvive.org
emausvila@yahoo.com.br

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