Por Rangel Alves
da Costa*
Inesperadamente
surgida, a lua cheia aqui da rua onde moro, nesta noite de terça-feira 05 de
abril, se impõe grandiosa, belíssima, uma auréola dourada e apaixonante.
Afirmei
inesperadamente surgida porque não imaginava que apareceria nesta noite
prometida aos chuviscos e chuvaradas. Com o dia inteiro nublado e de vez em
quando as águas se derramando, imaginava-se uma noite de céu mais escurecido e
tomado de nuvens.
Mas ela
apareceu, pouco antes das oito horas da noite, e basta atravessar o portão e
olhar para o alto para encontrá-la numa pujança de encantamento. Ainda mais
bela quando avistada do quintal, com menos claridade e mais silêncio.
Porém creio
que nem todos aqui da rua – ao menos os que estão sentados e proseando pelas
calçadas – sequer se deram conta do espetáculo noturno. Avistado conversas
animadas, pessoas entretidas com uma coisa e outra, mas nenhuma levantando o
olhar naquela fascinante direção.
Fico
imaginando o significado que uma lua, um sol ou uma estrela, pode ter para
pessoas assim. Fico pensando no sentimento dessas pessoas com relação à
primeira luz da aurora, na paisagem vermelho alaranjada do entardecer, na chuva
caindo e lavando as calçadas e o asfalto.
Será que os
sentimentos despertados pelas coisas singelas da vida são dádivas em apenas
alguns? Será que os corações de alguns foram cativados na indiferença àquilo
que provoca emoção e eleva os sentimentos? Será que aos olhos destes tanto faz
uma lua cheia como uma noite de lua escondida?
Acaso eu
atravesse a rua e diga que não esperava encontrar uma lua tão bela assim numa
noite que surgiu nublada, certamente que todos olharão para o alto e se
mostrarão fascinados. E em seguida os corriqueiros gestos de admiração, mas
para em seguida a lua ser novamente esquecida porque há um assunto mais
interessante a ser continuado ou algo muito mais comovente a ser apreciado.
Mas será que
eu tenho de atravessar a rua, ir até a calçada do outro lado, simplesmente para
mostrar a beleza da lua cheia? Será que somente a partir de minha ação aquelas
pessoas despertarão para a existência de algo que se imagina não possa ser
ignorado por ninguém? Será que eu terei de chegar lá, pedir licença, abrir a
boca e dizer que olhem para o céu?
E vejam o que
aconteceu. Parei um instante de escrever e fui até lá. A primeira coisa que fiz
foi mostrar o quanto a lua estava tão cheia e tão bela. Todos olharam para o
alto e a maioria se admirou. Uma perguntou a outro se ainda não tinha percebido
aquela lua tão bonita. E este simplesmente respondeu que não se dava ao
trabalho de ficar olhando para cima atrás de uma lua cheia.
Exatamente
como imaginei. Não sei se aquela que disse já ter avistado realmente o fez, mas
sei que sem a minha informação certamente a lua continuaria solitária lá em
cima sem que dessem a mínima atenção. Contudo, o mais conclusivo, e espantoso,
na resposta dada: tanto faz, pois não perde tempo com lua.
Retornei
rapidamente para prosseguir na escrita. Antes de atravessar o portão me demorei
com os olhos mirando aquele estranho objeto. Sim, aquele estranho objeto para
aqueles do outro lado da rua. Mas aquele objeto que causa tanta estranheza em
mim que sinto vontade de abrir os braços e gritar para que me deixe beijar sua
face.
Um beijo na
face da lua é a poesia do sentimento. E igualmente ao insano que se vê tomado
de aflições quando seu brilho está mais forte, também enlouqueço um pouco
diante de tudo que quero ter à sua presença. Como eu abraçaria a lua, como eu
beijaria seu corpo dourado, como eu me entregaria ao seu brilho insano.
Mas sem esse
voo, me serviria outra lua numa face, num olhar, numa boca, num corpo. E tudo
tão lua cheia que nossas estrelas sumiriam dentro de nós.
Poeta e
cronista
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