Por Rangel
Alves da Costa*

A atual Semana
Santa não passa de um feriado qualquer. Assim na grande maioria dos lugares
onde o fim de semana mais extenso não tem outra serventia senão para festins,
viagens e curtições. Na maioria porque em algumas povoações interioranas ainda
se comunga do espírito da crucificação e ressurreição de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Contudo, nada parecido com o fervor religioso de outros tempos.
O descuido ou
o desuso com as práticas rituais da fé são consequências das transformações
advindas no seio da sociedade. A sociedade atual, envolvida pelos modismos e
negação das tradições, acaba relegando ao esquecimento até mesmo o compromisso
com o fortalecimento da fé. Ora, num mundo onde o jovem sequer sabe o que seja
uma celebração eucarística, uma novena ou até mesmo uma procissão, torna-se
muito difícil que a ritualística da Semana Santa lhe tenha algum significado.
Hoje em dia,
se falar em Semana Santa logo surge à mente duas coisas: o feriadão e a comida
à base de coco. Tornam-se cada vez mais raros aqueles que conhecem os seus
mistérios, que participam das missas, que ainda procuram sentir na alma um
pouco do sofrimento de Cristo pelo próprio homem. Muito longe estão dos passos
levando a cruz, da coroa de espinhos, da morte e do renascimento. Muito longe
estão até de si mesmos, vez que possuindo apenas a leveza inconsistente do
presente.
Ainda recordo
de um povo e de suas histórias de Semana Santa na região sertaneja onde nasci.
Nada mais é como antigamente, porém a tradição continua em muitos,
principalmente com relação ao peixe, ao jejum e as sentinelas. Mesmo com o
preço absurdo do pescado, muitas pessoas preferem uma sardinha enlatada a
ingerir carne de gado, porco ou mesmo frango. É quase um jejum forçado pela
ausência de um peixinho ao coco sobre a mesa.
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Mas noutros
tempos era muito diferente, e já desde a quarta-feira de cinzas. E até bem
antes disso. Roupas eram escolhidas especialmente para o luto. Vestimentas de
cor eram tingidas de preto para o luto nos dias sagrados. Vestidos longos,
geralmente com mangas compridas, cobriam mulheres desde a quarta-feira. Muitas
também usavam panos ou lenços pretos na cabeça, num luto obstinadamente
fechado. Nem mesmo com os seus falecidos havia aquele rigor de enlutamento.
Também era
costume não varrer a casa durante os três dias. A justificativa era de que o
sofrimento do Senhor naquele período não permitia limpeza que proporcionasse
qualquer feição de contentamento. A poeira e o pó eram o acúmulo dos males
mundanos, da incoerência do homem sobre a terra, e cuja limpeza se daria como
um renascimento do próprio Senhor para salvar o mundo.
O pai ou mãe
logo emitiam severas ordens de obediência e respeito máximos aos dias sagrados.
Ordenavam que os seus não ingerissem bebida alcoólica, não fumassem, não
ouvissem música, não se mostrassem cheios de alegria e contentamento, não
falassem palavrões nem namorassem. Não falavam em sexo, pois nome muito forte
para ser pronunciado na ocasião, mas afirmavam que sequer imaginassem em
corromper a carne com as ilusões mundanas.
Muitos
jejuavam de modo tão severo que somente uma vez ao dia colocavam algum alimento
à boca, mas sempre contendo coco. Peixe com coco, arroz de coco, feijão de
coco, tudo contendo coco. Quem não jejuasse só podia comer alguma coisa que
fosse feita com coco. Os espelhos eram devidamente encobertos com panos de luto
para que ninguém se olhasse ou penteasse os cabelos. E quanto mais triste o
semblante de cada um mais presente sua fé naqueles dias de dor e sofrimento.
No dia maior
então a ritualística se redobrava. Grande parte do dia as mulheres,
principalmente velhas beatas, se mantinham fechadas em seus quartos ajoelhadas
com terços e rosários à mão, orando incessantemente. Após o anoitecer seguiam
até a igreja onde permaneciam em sentinela até o amanhecer. E os cantos, as
ladainhas, as rezas fúnebres, entoavam numa lamúria tão dolorosa como bela.
Tudo na força de um povo, sua fé e tradição.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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