Por Rangel Alves
da Costa*
A noite avança
e o sono não chega. Já chegando à meia-noite e os olhos na firmeza do clarão do
dia. O corpo cansado, a mente angustiada, tudo desejando um bom repouso, mas o
sono não chega.
“Ai se eu
pudesse reviver o passado. A criança feliz, a criança contente, uma vida
despreocupada, tudo na florada dos melhores anos. Mas eis que o sol também se
esconde, a lua não é somente poesia e as sombras da noite avançam. Crescer para
outra realidade, enfrentar desafios vorazes, caminhar perigosamente entre
labirintos de feras à espreita. Mas, enfim...”.
Pensamentos e
mais pensamentos surgindo. Há um mar no telhado, quer viajar e não consegue.
Enxerga asas no telhado, quer voar e não consegue. Revira de lado a outro,
força o fechamento dos olhos, se compromete a não pensar mais em nada, mas o
sono não chega.
“Meu Deus, meu
Deus, aqueles retratos da parede que não saem diante do meu olhar, de dentro do
meu coração, do meu sentimento. Quanta saudade, quanta tristeza, quanta
recordação. Quanto mais o tempo passa e tudo parece tão presente. Ouço minha
mãe me chamando, meu pai conversando, vozes que não existem mais. E aquelas
molduras com seus olhares, suas belas feições, retratos que também sou eu...”.
Olha o
relógio. Já se aproxima de uma hora, logo será madrugada. Levanta, apaga a luz,
caminha até a janela. Talvez abra só por um instante, talvez entre algum ar
fresco que ajude o sono chegar. Talvez não, pois não sabe o que poderá avistar
naquela escuridão. Teme as estranhezas da noite, os seus mistérios, o seu
negrume aceso. Mas decidi abrir, ao menos um pouquinho, e lançar o olhar a
alguma lua existente.
“Silêncio,
silêncio, silêncio. Mas ao mesmo tempo tanto barulho e tanta gritaria. A alma
aflita grita suas dores, o espírito ecoa suas palavras de descontentamento. Um
instante que seria de paz, ideal para adormecer e sonhar coisas boas, permanece
como uma porta aberta para o tormento. E que situação angustiante é querer
dormir, precisar descansar, e nem um cochilo chega como um alento. Talvez não
pensar em nada seja a solução.
“Que bom se a
vida fosse assim como a paz noturna, como o silêncio da noite, como essa brisa
suave que chega. Queria pular a janela e sair por aí, andar e andar, caminhar
sem destino até o sono chegar e deitar debaixo de uma árvore de beira de
estrada. Mas tudo muito perigoso, bem sei. Os seres da noite rondam os
caminhos, as feras famintas procuram suas presas, olhos vermelhos podem
repentinamente surgir. Mas assim também no dia, entre pessoas, na normalidade
cotidiana. E de repente já não se sabe quais as feras mais perigosas. Tudo tão
difícil, meu Deus...”.
Meia hora se
passa no umbral da janela. Viaja tanto no pensamento que talvez permanecesse
ali até o amanhecer, mas precisa dormir, precisa urgentemente adormecer. Fecha
a janela, caminha pela escuridão do quarto, olha de canto a outro, e apenas a
noite, o silêncio, os segundos que passam. Pensa numa bebida, numa boa dose,
mas desiste em seguida. Tristeza e bebida nunca terminam bem. Pensa num chá de
camomila, mas sabe que não adianta procurar. Desde muito que não compra. Também
não há comprimido nem nada que faça o sono chegar. E já são quase duas horas,
já em plena madrugada.
“Está bom, não
vou pensar mais em nada, apenas deitar e pronto, fechar os olhos e pronto, em
algum momento o sono haverá de chegar. Jogo todos os panos por cima do corpo e
assim permanecerei até acordar. Também juro não mais pensar no passado antes de
deitar, me comprometo a não mais abrir baús nem reler as cartas e reencontrar
as fotografias guardadas na memória. Tudo isso atormenta demais e acaba
afligindo a alma. E ninguém consegue dormir abraçado à solidão, à saudade, ao
que só existe na recordação...”.
Seis horas da
manhã. O sol entrando pelas frestas da janela e aquecendo o corpo adormecido ao
chão, abraçado a um lenço ainda molhado.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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