Por Rinaldo
Barros (*)
Nunca torci
tanto para estar enganado quanto estou torcendo nesta conversa de hoje.
Nestes últimos
dias, têm-me vindo frequentemente à cabeça as palavras que Heggel, noutro contexto,
escreveu no início de um ensaio sobre a Constituição alemã: "A Alemanha
não é mais um Estado".
E vou
repetindo para mim mesmo a pergunta: "Ainda somos um Estado?"
Durante
séculos, o Estado, a começar pelas antigas cidades gregas, foi representado e
concebido como um conjunto de partes ligadas entre si, formando um corpo
unitário.
Não existe
Estado sem um princípio ordenador, sem um Projeto de Estado, unificador.
Às analogias
da máquina e do organismo, tidas hoje como superficiais, juntou-se a analogia
do Estado como um "sistema", no sentido da teoria dos sistemas,
derivando a expressão técnica, já em uso no dia-a-dia, de "sistema
político". De qualquer forma, permanece a imagem do Estado como um todo
unitário.
O movimento
desse conjunto de partes deve ser originado por um único centro propulsor, o
órgão decisório. Ou seja, o governo.
Em qualquer
sociedade organizada, das mais simples às mais complexas, não se pode falar de
Estado se não se consegue dar uma resposta clara à pergunta: "Quem governa?"
Quem observa o
patropi, fica deveras embaraçado. Antes de tudo, por ver relegados para segundo
plano esses documentos sem valor que são as constituições (nacional e
estaduais) e as leis orgânicas municipais.
O patropi
caminha como se estivesse numa aventura, sem mapa, numa região sacudida pelas
forças da Natureza. Nas cartas, no ordenamento jurídico, cada coisa está (ou
deveria estar) em seu lugar e todas num conjunto compõem um desenho harmonioso,
uma figura racional em perfeito equilíbrio.
Quando jogamos
fora o mapa, a orientação torna-se cada vez mais difícil, como se torna também
difícil encontrar o ponto de conexão entre as partes e identificar o elemento
unificador.
O centro
propulsor e unificador encontra-se na dialética entre o Parlamento e o Governo.
E oxalá o Parlamento, com seus atuais Presidentes, interrompa sua trajetória
lamentável de perda de sua legitimidade.
Quando falta
um centro unificador, o sistema vai se desmantelando, como um relógio
desmontado ou um corpo desmembrado. As várias partes do todo não conseguem mais
funcionar como um conjunto. Os estudiosos chamam a isso de "crise de
hegemonia".
Alguns
estudiosos afirmam que se trata do marco inicial de um período caracterizado
pela quebra da dominação oligárquica. Em outras palavras, as oligarquias
estariam perdendo o controle do Estado, mas não existe ainda uma definição
clara sobre o novo conjunto de forças (classe dirigente) que assumirá o poder.
Não existiria
ainda um novo projeto político de poder capaz de se tornar hegemônico no
patropi.
No miolo da
"crise de hegemonia", sabe-se que a capacidade de dirigir, de exercer
o poder, constrói-se de fora para dentro do Estado. Trata-se de propor uma
alternativa cultural e ideológica que cimente solidariedades e interesses da
maioria.
Nesse sentido,
paralisado pelo pragmatismo, o patropi ainda é uma sociedade sem alternativas.
Disso decorre
uma enorme perda de energia, para obter resultados mínimos, por vezes
ridículos, que deixam todos descontentes e provocam imediatamente novas questões,
as quais tornam a convivência ainda mais desordenada e mais obstruída a
comunicação entre governantes e governados.
Para reforçar
essa impressão, renovo aqui um alerta para o caos logístico, que - ano passado
- levou a China a cancelar a compra de 2 milhões de toneladas de soja (R$1,1
bilhão de dólares) porque dos 12 navios que deveriam entregar a soja em janeiro
e fevereiro, só dois chegaram ao destino. Os grãos não embarcados apodreceram
nos caminhões, porque demoraram cerca de dez dias para percorrer 2 mil
quilômetros.
As estradas,
como de resto todos os modais de transportes brasileiros integram o atual
contexto de desmantelamento das relações institucionais, por falta de comando,
por falta de governo, e de um Projeto para o Brasil. Acrescentemos a crise
econômica (inflação, crescimento zero do PIB, juros e carga tributária nas
alturas) com crescimento do desemprego e da insatisfação popular em todos os
níveis.
Some-se a isso
ainda a perda da governabilidade, o descrédito nas instituições e nos partidos
políticos, e o tsunami de corrupção que assola o patropi, para vir à tona a
pergunta que não quer calar: quem está governando o Brasil?
(*) Rinaldo
Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso
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