Por Rangel Alves
da Costa*
Angelino foi
uma das figuras mais tradicionais de Poço Redondo e ainda pujantemente viva na
memória de muitos. Pertencente à família Francelino, uma das maiores e mais
respeitadas de toda a região sertaneja, abdicou de seu ofício de mestre de
obras, como exímio pedreiro, para se tornar dono de salão de jogos. A fachada
era de bilhar, mas funcionava também como cafua para diversos jogos de azar.
Ali se jogava desde cartela de marcar ao dominó.
Quem tem mais
de vinte anos e é do alto sertão sergipano, certamente já ouviu falar no bilhar
de Angelino. E aqueles de mais idade tiveram a oportunidade de conhecer aquele
insuspeitável ambiente. No seu auge, o salão do bilhar ficava localizado na Rua
Prefeito João Rodrigues, ao lado da casa do Cabo Antônio e Dona Adalgisa, quase
vizinho aonde funcionava o bar de Delino, e bem defronte ao mercadinho de
Eraldo e da antiga casa de Dona Bilinha.
Angelino era
uma figura franzina, pacata, calmo demais para suportar todo tipo de gente e de
bêbado que chagava ao seu ambiente. E também com maestria suficiente para
acalmar aqueles mais exaltados com as perdas no baralho. Não só no baralho como
no bilhar e nas demais jogatinas. E vez por outra tinha que correr perigo
entrando no meio de valentões para evitar o pior. Mas o efeito surtido se dava
apenas pelo grande respeito que todos tinham por ele.
Chegado a um
chapéu, antigo boêmio e fumador inveterado, já havia deixado seus vícios quando
decidiu pela vida de crupiê sertanejo. E faleceu ainda na força da idade,
deixado em Poço Redondo e no sertão inteiro um imenso vazio, não só pelo seu
salão sempre cheio de jogadores e fofoqueiros, mas também pela singela figura
humana que representava. Era casado com Joelina e de sua cria vieram ao mundo
Barrinhos, Bibi, Deúta, os nomes que recordo agora.
Mas o bilhar
de Angelino não era ambiente somente de jogos, pois funcionava também como
local de propagação de tudo o que houvesse na cidade e na região. Ali se falava
em política, na vida alheia, em seca, nas tragédias humanas, nas alegrias e
desditas da vida. Qualquer fato novo surgido acabava chegando ali e depois,
logicamente, era disseminado com muitos acrescimentos. Entre uma tacada e
outra, uma cartada e outra, havia sempre uma conversa paralela que satisfazia
em cheio os ouvidos ávidos de fofocas. E muita gente havia, de velho a novo, que
ficava ali quase o dia inteiro só para ouvir as novidades que chegavam a cada
segundo.
O salão de
Angelino – que não era dele – era dividido numa parte da frente, onde
funcionava o bilhar e eram colocadas mesas para outros jogos, e numa
dependência ao fundo, aonde corria solto o carteado. E as apostas eram altas no
buraco, no relancinho, vinte e um, três sete, dentre outros. Quando as apostas
eram altas e as mesas eram formadas por jogadores como Cabo Antônio, Bonfim de
Canindé, Gilvan de Sítios Novos e outros, então a peruada rodeava o ambiente
com tal interesse que só faltava cantar a jogada. Mais atrás ficava o
malcheiroso banheiro de chão e pé de muro.
Mas dependendo
da qualidade dos jogadores, era no bilhar onde se dava a assistência maior.
Quando, diante da imensa mesa de pano verde, se enfrentavam os grandes mestres
das três bolas, então se formavam verdadeiras torcidas organizadas. Os maiores
jogadores de bilhar sempre foram Messias de Lídia, Alcino, Gerino, Vadinho de
Mané Joaquim, Telê, Zé de Valter e alguns outros nomes agora esquecidos. De vez
em quando, na disputa ferrenha entre Messias e Alcino, o salão se enchia para
ver tacadas de trinta, cinquenta, setenta pontos ou mais. Era mesmo de tirar o
fôlego.
Jogadores de
menor habilidade também marcavam presença constante. Eram disputas para passar
o tempo, com um dando dez ou vinte pontos ao outro, e só para pelo prazer do
momento. E assim eram avistados Odon, Mariano, Zé Leno, o próprio Angelino, Seu
Ermerindo, Né Cirilo, Barbante, Praxedes, Zezé de Zé Carreiro, Seu Wilson,
Manezinho França, Pedrinho de Ermerindo, além de uma leva de sertanejos que ali
fazia parada para um instante de descontração.
Quando o
saudoso Cabo Antônio chegava era uma festa à parte. Conversador inveterado,
logo vinha com alguma mentira descarada ou piada deslavada. E certa feita disse
que quando morava em Canindé pescou um peixe tão grande que ao puxá-lo deixou o
rio completamente vazio. Talvez seja por causa dele que o Velho Chico continua
assim.
Era apenas um
salão de bilhar, uma casa de jogos, mas por ali passou grande parte da história
de Poço Redondo. E que saudade que dá.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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