Por Rangel Alves
da Costa*
Por favor, não
se chateie com o que vou dizer: Você tem vida dupla. Há outro ser dentro de
você. Sempre mostra uma face, mas há outra feição que se mantém escondida. Por
mais que procure ser apenas o que se mostra, não pode fugir da outra pessoa que
está no seu âmago, no seu íntimo. Quer dizer, você é frente e verso de um mesmo
espelho, e com os dois lados reluzindo igualmente. Só que um lado só você pode
sentir, avistar, conhecer.
Não se chateie
porque assim também acontece comigo e com todo ser humano existente sobre a
terra. Eu tenho vida dupla, ela tem vida dupla, todo mundo tem vida dupla. E
por isso mesmo que você tem vida dupla. Mas não se aborreça porque explicarei o
porquê. Mas antes disso deixe-me recordar uma frase: “Quem olha dentro de si
mesmo acaba enxergando a outra metade que lhe completa. Quem se mostra com a
outra metade, acaba revelando apenas uma parte do todo”.
As pessoas
possuem determinadas características que acabam determinando como são
conhecidas. Umas são vistas como singelas, meigas, bondosas, pacientes,
brincalhonas, alegres, persistentes, cativantes, e assim por diante. Outras são
vistas como arrogantes, presunçosas, egoístas, invejosas, ciumentas, falsas,
brutas, insuportáveis, além de outras invirtudes. Há ainda outras que são reconhecidas
pelo temperamento difícil, pela repentina mudança de comportamento ou pelas
incertezas nas atitudes.
Tais aspectos,
contudo, nem sempre representam a essencialidade da pessoa, pois dependem da
própria visão que o terceiro tem sobre o outro. E por mais fidedigna que seja,
ainda assim não representará a realidade. Esta, a pessoa em si com suas
características positivas e negativas, só é conhecida e revelada pelo próprio
sujeito. O resto será apenas suposições. Contudo, a verdade que nem a própria
pessoa se revela por inteiro, se deixa conhecer completamente.
Talvez aí
esteja um dos maiores mistérios do ser humano: o seu caráter dúbio. Aquele que
se mostra e aquele que se esconde, aquele que se revela e aquele que se guarda
em segredo, aquele que deseja ser caracterizado por alguns aspectos e aquele
que tudo faz para que ninguém conheça o seu outro lado. Mas qual seria esse
outro lado, essa outra face desconhecida?
Vamos ao
exemplo. Ninguém encomenda uma biografia para que o biografado seja revelado em
toda sua inteireza. Alguns aspectos pessoais devem ser ocultados, determinadas
qualidades não podem ser publicadas de jeito nenhum. Por isso mesmo que tantos
artistas brigam na justiça para que os biógrafos não esmiúcem retalhos
passados, controvérsias de personalidade e vícios da fama. Contudo, se a
biografia serve como glorificação ou endeusamento, então não haverá problema
algum. Então resta uma pergunta: E a outra feição deve permanecer oculta?
E é essa outra
feição existente em cada um que o torna um ser de vida dupla. Não apenas pelo
que não deseja que seja conhecido, mas também pelo que tudo faz para não
revelar. E assim porque todo mundo tem dentro de si um arquivo confidencial,
cujas chaves estão nos sentimentos e que nem a própria pessoa tem sempre
acesso. Há segredos na alma, há desejos íntimos, há escondidos que nenhuma
outra pessoa sequer imagina que possam existir.
Vamos
novamente aos exemplos. Saudades, desgostos, sensações, vontades, ódios,
prazeres, revoltas, renúncias, desejos e tudo o mais que permanece guardado no
íntimo da pessoa. Quem conhece as características externas dessa pessoa nem
supõe quanta vivacidade há no seu interior, no outro lado que não é conhecido
nem revelado. Acontece sempre com o sorriso. O sorriso pode ser apenas uma
máscara encobrindo um turbilhão de dolorosos sentimentos.
Então fique
sabendo que você sempre é e sempre estará dividido. Você é dois. Você perante
os outros e você dentro de si mesmo. E o lado mais verdadeiro você também já
sabe qual é.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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