Por Rangel Alves
da Costa*
Não faz muito
tempo que assisti num canal fechado de televisão um episódio acerca das
assombrações que ainda assolam Salem (cidade norte-americana em Massachusetts),
mesmo mais de quatro séculos após aquelas famosas perseguições e mortes dos
acusados de envolvimento com bruxarias.
Com efeito,
pelos idos de 1692, a vida da pacata cidade começou a mudar totalmente quando
uma escrava relatou casos de magia africana e algumas pessoas passaram a ter
pesadelos. Ao ser examinadas, o médico afirmou que só poderiam estar tomadas
por bruxarias. Como outras pessoas começaram a ter estranhos sintomas, as
autoridades logo supuseram que haviam sido enfeitiçadas pelas mulheres, ou as
Bruxas de Salem.
Mais de cem
pessoas foram levadas a julgamento e mais de vinte sentenciadas à morte por
enforcamento, que era executado nas árvores localizadas no alto de uma colina
nos arredores. Segundo relatos, os julgamentos se afeiçoaram a tragicomédias.
Sempre prevalecendo as acusações, com ênfase nos desmaios, gritos e histerias
no tribunal, procurava-se provar que aqueles acusados ainda estavam agindo no
corpo e na alma daquelas pobres pessoas. Uma grande farsa, na maioria dos
casos.
E não somente
farsa, mas principalmente a demonstração de como o medo e a ignorância agem
para transformar superstições em realidades. Desde o seu surgimento, nenhum
relato de bruxaria havia recaído sobre Salem. Bastou, contudo, que um
diagnóstico temerário tenha sido feito, fugindo dos padrões médicos e
levianamente proclamado - vez que a possessão espiritual não diz respeito à
ciência médica -, para que as pessoas começassem a traduzir suas enfermidades
em ações de bruxaria.
A fragilidade
da mente humana, aliada à ignorância, ao medo e à superstição, pode realmente
fazer surgir não apenas bruxas como quaisquer outras entidades de maus
espíritos. Já se disse que o medo infundado acaba provocando o medo real, e com
monstros inexistentes. Pessoas ignorantes, convivendo num mundo distante de
outras realidades, acabam acreditando em tudo que se espalha como realidade,
mesmo não passando de mera imaginação. E assim ocorre por uma imposição
coletiva.
Certamente que
lá naqueles idos de Salem, porém antes da disseminação dos episódios de
bruxaria, as doenças, os achaques, as indisposições, os desmaios e as
histerias, eram vistos como problemas orgânicos e tratados segundo os meios e
procedimentos da época. Mas crer que os mesmos problemas passaram a ser
causados por bruxarias e enfeitiçamentos só porque algumas pessoas estavam
sendo acusadas de tais práticas, não parece aceitável. A não ser, como
afirmado, que a ilusão histérica coletiva tenha realmente afetado a todos.
Então as doenças passam a ser provocadas pelo medo e não por causa de supostas
magias.
Mas era um
mundo dividido entre incautos e espertalhões. Enquanto os ignorantes acusavam
as bruxas pelos seus males, alguns finórios procuravam tirar proveito da
situação. Como ao sentenciar o tribunal retirava todas as posses do acusado,
muitos se acharam no direito de chamar para si muitos bens e propriedades. Num
situação tal, logicamente que muitos outros seriam acusados e condenados. Então
foi preciso o mundo exterior agir sobre aquele mundo irreal e primitivo para
que a situação fosse resolvida.
E só foi
resolvida porque um sacerdote fez circular uma carta relatando os absurdos até
então cometidos. Uma nova corte de julgamento foi formada e todos os acusados
foram absolvidos e soltos. O juiz anterior acabou reconhecendo os erros
cometidos nos julgamentos, mas já tarde demais, pois muitos inocentes haviam
sido levados amarrados ao alto da colina, lá pendurados em árvores para
penderem mortos.
São tais
mortos que até hoje assombram os arredores de Salem. E assustam também a todos
aqueles que, mesmo nos dias de hoje, tomam conhecimento da existência de uma
realidade tão brutal e apavorante. E mais assustador ainda quando se tem
conhecimento que pessoas, em pleno século da razão e do conhecimento, ainda são
conduzidas por tais crenças obscuras e degradantes.
Poeta e
cronista
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