Por Rangel Alves
da Costa*
As lições da
vida ensinam que a confiança é aspecto fundamental nos relacionamentos humanos.
É preciso acreditar no outro para também ser acreditado. Mas as entrelinhas das
lições estão marcadas pelas traições, falsidades, aleivosias.
Nada mais
doloroso que sentir-se traído por alguém que se tinha como de máxima confiança.
Acaba provocando uma total descrença que vai afetar todos os relacionamentos
daí em diante.
Então, fazer o
que? O melhor caminho é ter a precaução como princípio orientador nas relações
de vida. E a cautela, o cuidado, a prudência, implica sempre em desconfiar. E
fazer da desconfiança não uma descrença em tudo, mas uma forma de não ser
surpreendido com o inesperado.
Daí que não
será demérito desconfiar, não será uma afronta ao outro e a si mesmo a
imposição de limites. E não infundado o ditado dizendo que seguro morreu de
velho. Do mesmo outro aquele outro dizendo que as palavras e os segredos
dependem apenas do vento. E a tempestade logo estará formada.
Então
desconfie. E desconfie de tudo. E saiba compreender as mil faces de cada ação
humana. Cristo foi traído e você talvez não mereça as mesmas moedas de ouro.
Até sua roupa se rasga num instante que imagina estar bem vestido.
Desconfie do
outro e desconfie de si mesmo. O não atenderá eternamente suas expectativas de
confiança. E você de repente se sente traído pelo que você mesmo faz.
Desconfie do
sorriso largo em feição não acostumada a sorrir. As feições mudam pela
intencionalidade da ação, e a que será tomada poderá não ser das melhores.
Desconfie do
caminho silencioso demais. As folhagens possuem olhos, os labirintos possuem
mãos ávidas e as curvas possuem surpresas. E todos podem irromper encontros
desagradáveis.
Desconfie
sempre do presente de um desconhecido. Ninguém é tão bonzinho assim para estar
distribuindo oferendas sem desejar algo em troca. E o mais perigoso é que
sempre deseja receber muito mais.
Desconfie do
jardim florido em época de outono. Ou as flores são de plástico ou armadilhas
iludem para chamar sua presença. E mais perigoso ainda porque o apaixonado
sempre avista cor e perfume nas flores mortas.
Desconfie do
barulho vindo de casa abandonada, principalmente quando a porta e a janela
estão batendo. Pergunte ao vento o que poderá encontrar. Mas como vento não
volta, então é melhor não entrar.
Desconfie da
esmola grande demais. Dizem, e com razão, que até o santo desconfia. E
desconfia porque quem doa além da medida quem receber além da possibilidade do
outro em pagar. E mantê-lo no seu caderno como eterno devedor.
Desconfie de
uma abelha. E mais ainda de duas abelhas. E muito mais se forem quatro ou
cinco, e quando não há melado por perto. Desconfie e corra sem olhar o enxame
que vem atrás.
Desconfie de
político, da política, dos governantes, das autoridades governamentais, de quem
defende partido ou candidato. E por razões mais que óbvias.
Desconfie do
rangido da cancela se abrindo, do gemido da porteira se afastando, dos passos
na sua direção, do barulho da porta sendo batida. E desconfie ainda mais se
depois de abrir a porta você não encontrar ninguém.
Desconfie da
estrada florida, dos caminhos atapetados de flores do campo. As serpentes
esperam dias a fio qualquer calcanhar, e se escondem entre as belezas para
melhor dar o bote e fazer o mal.
Desconfie
sempre de quem não cumpre compromissos, de quem nunca chega na hora marcada e
de quem outra coisa não faz senão dizer aquilo não se repetirá, pois certamente
ele repetirá a não obediência a qualquer coisa.
Desconfie dos
olhos vermelhos, das faces esmaecidas, do desleixo, do desprezo pela vida.
Sintomas de muitas enfermidades, tanto pessoal como orgânica e espiritual,
principalmente de uma doença avassaladora chamada droga.
Desconfie do
barulho estranho no meio da noite, dos passos ouvidos no meio da noite, das
sombras surgidas no meio da noite. E se você não tem gato, cachorro ou qualquer
animal, nem precisa desconfiar. Alguém inesperado lhe faz uma inesperada
visita.
Desconfie da
nuvem escura em tempo aberto. Desconfie do pingo debaixo do sol. Desconfie do
horizonte escurecido e da distância de onde você está sua casa. Até que chegue
já estará encharcado de chuva.
Desconfie da
palavra e até do silêncio, do repentino grito ou da mudez longa demais.
Desconfie do relógio, do espelho e de toda pessoa dizendo que você parece cada
vez mais jovem. E tem gente que ainda acredita.
Desconfie da
vida. Mas não há como desconfiar da morte. Eis o que sempre se confirma.
Poeta e
cronista
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