Por Rangel Alves
da Costa*
Abro a janela
e vejo os horizontes faiscando, relâmpagos cortando de lado a outro, e ouço
ribombos de trovões, sons abafados que se alastram rasgando os céus. E eu tão
sozinho...
Não que eu
tenha medo de relâmpagos e trovões, de tempo fechado, trovoadas ou tempestades.
Não tenho receio de nada disso, até louvo a mudança de tempo e a chuvarada
caindo. Diferente é estar sozinho quando tudo isso acontece.
Com a
chuvarada caindo em temporal, sigo até o portão e de repente me vejo molhado
com os respingos que avançam na ventania. Um tempo de profundo despertar. E eu
tão sozinho...
Não que eu
tenha medo de solidão, que procure sempre fugir de sua presença. Nada disso
acontece. Gosto de estar recolhido, meditando, refletindo sobre a vida. E
quando chove depois do anoitecer então tudo se revela mais profundo, viajante,
de nostálgico entristecimento.
As águas
correm velozes, sedentas, famintas, levando tudo que encontrar. Folhas e flores
mortas se juntam a troncos e gravetos despejados de jardins aflitos. E eu tão
sozinho...
Não tenho medo
da noite, do vazio da noite, dos mistérios noturnos. Seja com chuva ou tempo
aberto, sempre avisto a lua imensa onde eu deseje encontrar. E por isso mesmo
avisto aquele fascinante luar acima da trovoada e me ponho em viagem no pensamento.
Chegam as recordações, lembranças, imagens, feições.
A noite está
negra retinta, de negrume fechado, desde o horizonte aos descampados. O tempo
encoberto, pesado, parece coberta de água que vai desabar. E eu aqui tão
sozinho...
A solidão
sempre será solidão mesmo diante da multidão. É o estado da alma, a propensão
do ser que predispõe ao distanciamento de tudo. Ainda que outras pessoas
estejam sendo ouvidas pelos arredores, ainda assim a solidão se faz companhia.
Somente a noite, a chuva caindo e o silêncio imposto em mim, interessam como
moldura dessa solidão.
As águas
escorrem pelos canteiros, as calçadas são inundadas pelas biqueiras, as ruas
asfaltadas mais parecem leitos negros de rios. Tudo tão diferentemente triste
diante do meu olhar. E eu tão sozinho...
As ruas estão
desertas, escurecidas, tristonhas. As portas e janelas foram fechadas, as vozes
calaram, as crianças não correm de canto a outro. Não vejo cachorros e gatos
caminhando pelas calçadas, não vejo gente correndo com medo da chuva. Não sei
se dormem ou avistam a vida pelas frestas das portas e janelas. Somente eu
diante da chuva que cai.
Não quero
cálice de vinho nem aguardente. Bebo somente do copo da boca e de sua vertigem.
Uma música clássica me faria bem, mas preciso de silêncio profundo para me
envolver aos noturnos e sonatas. E a chuva desce gritando. E eu tão sozinho...
As luzes descem
dos postes em amarelos aguados. O asfalto se lava e sente frio. As calçadas se
desnudam para as correntezas. O vento sopra e uma valsa lenta vai tomando o
salão. Somente a noite dança seu instante só seu. A rua é da rua e de mais
ninguém. Tudo se banha e se molha para renascer, e talvez amanhã de manhã já
esteja tudo deserto, árido, desolador.
A plena
escuridão me cairia bem. Não seria ruim que as lâmpadas apagassem agora.
Bastaria uma vela acesa, uma chama tosca de candeeiro. Mas nem preciso avistar mais
nada, não preciso de outra coisa senão sentir a chuva caindo. E eu sozinho...
Confesso que
ficaria aqui em pé até o amanhecer. Não me canso de ouvir o barulho da chuva,
de sentir seu sopro molhado em mim. Esse silêncio de gente me faz bem, essa
distância de gente me faz bem. Nem eu mesmo sei se permaneço ou se já segui na
enxurrada. É que a saudade faz a gente sumir. Se o pensamento viaja, então não
sei onde estou se também não sei onde está quem procuro. Não sei a hora. O
relógio molhou e parou. Também não precisa.
Mas continuou
aqui. Tão sozinho.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
.jpg)
.jpg)
Nenhum comentário:
Postar um comentário