Por Rangel Alves
da Costa*
Enquanto
expressão artística que mais reflete os sentimentos – e destes se supre como
essência e seiva -, a poesia vem sendo vitimada pelos sofrimentos do mundo e
pelas insensibilidades humanas. Não há poesia que ao invés de cantar os
sentimentos do homem, de expressar as grandezas do ser e transformar em voz os
sentimentos da alma, não venha se desencantando com os passos da humanidade e
com o que ela se mostra capaz de fazer.
Triste seria
somente uma poesia da dor se alastrando, do sangue inocente derramado em
enxurradas, da violência exacerbada se tornando normalidade contínua. Infeliz
da poesia que tem de beber no cálice do sofrimento, que tem que se iluminar
pela escuridão da insensatez, tem que se comprazer com a iniquidade humana. Uma
pena domada para a escrita do amor, da ternura e da grandeza da vida, não pode
se contentar diante de versos que surgem avermelhados, sangrando, gritando,
sofrendo. Eis que o poeta não está imune às dores do mundo. O poeta é humano,
também sente e sofre, lamenta e clama, e não há verso que surja flor com a
mente afligida por espinhos.
Porque, diante
das realidades concretas, a poesia não pode viver somente de idílios nem se
expressar apenas como cantos sublimes, devendo haver um comprometimento do
poeta com o mundo além do imaginário simbólico, então nas entrelinhas das
estrofes surgirá a seguinte indagação: transmudar os versos, e onde houver amor
colocar dor, onde houver renascimento colocar sofrimento, onde houver sorte
colocar morte? Ou simplesmente não rimar, deixando o verso branco enegrecido e
de braços abertos esperando o fim? Uma poesia viva, pulsante, amorosamente
clamando, de repente forçada a se voltar para o homem e seu estágio de
barbárie. Não sei se o mundo atual, diante dessa realidade de ferro e fogo,
seria lugar para um poeta que se omite em ser humano e pretende continuar no
idílio, no sonho, na fantasia.
Não há
críticas, apenas reconhecimento. As possibilidades surgidas com a poesia, onde
o artista constrói realidades a partir de sentimentos ou torna o inexistente
como algo possível de ser conhecido e apreciado, parecem ameaçadas demais com
um mundo que procura exterminar o romantismo, a sensibilidade, o sonho poético.
Perante a crueldade do mundo atual, poetas românticos como Shakespeare, Neruda,
Florbela Espanca, Vinícius, só para citar alguns, ou mesmo do denominado
romantismo sombrio, como Poe, Byron, Baudelaire e Álvares de Azevedo, teriam
que falsear aos corações ou fechar as janelas se quisessem criar suas alegorias
sentimentais. Dizimadas estariam aquelas folhas de relva aconchegantes ao
entardecer na poesia de Whitman.
Fernando
Pessoa, que sempre foi poeta de pé no chão, realista até onde expressava
singeleza, certamente ficaria desassossegado com a vivência atual. Sua obra,
contudo, não deixa de ser profética, um reconhecimento da solidão humana, da
angústia interiorizada em cada ser, da desesperança nos caminhos do homem e da
humanidade. Aquele homem descrito por Pessoa, tão nostálgico e solitário,
valendo-se de suas próprias forças para não sucumbir, parece ser o mesmo homem
abismado e impotente que hoje caminha por aí, temendo por tudo que acontece ao
redor. É o homem desse mundo, o ser solitário e desesperançado de qualquer
futuro alentador.
O fragmento a
seguir, da poesia “A Tempestade”, de Lord Byron, poeta irlandês do século
dezenove, já revelava a frustração do poeta frente ao desencanto do mundo: Se
pudesse encarnar e tirar agora do meu seio aquilo que nele é mais profundo, se
pudesse cingir com palavras estes meus pensamentos, e assim exprimir alma,
coração, e espírito, paixões e todos os sentimentos, ah, tudo o que poderia
desejar, e desejo, sofro, conheço e sinto, sem que morra, numa só palavra - e
que essa palavra fosse “Relâmpago!” – eu a diria; mas não, vivo e morro
voltando para o silêncio apenas, com sufocadas vozes que guardo como uma
espada…
Carlos
Drummond de Andrade, nosso poeta maior, igualmente revelou sua angústia no
poema “Consolo na praia”, que é uma cética reflexão existencial, mas que também
propõe a continuidade da esperança: Vamos, não chores… A infância está perdida.
A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O
segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o
melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas
tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca
cicatrizam. Mas, e o humour? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo
errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias
precipitar-se – de vez – nas águas. Estás nu na areia, no vento… Dorme, meu
filho.
Quem dera um
canto novo. Não uma fuga, mas um canto poético que fosse capaz de desafiar a
guerra através do verso, que fosse capaz de mostrar aos bárbaros, covardes,
assassinos e genocidas da humanidade, que eles não são absolutamente nada. E
nada são porque eles passarão, enquanto a poesia permanecerá como flor que
sempre encontra uma primavera.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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