quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A PROMETIDA DO CORONEL

Por Rangel Alves da Costa*

Coisas que só aconteciam nos sertões de antigamente...

Dizem que o Coronel Ponciano Pindaré viu sua vida totalmente modificada depois de passar galopando defronte da casa de Lavandeira, um de seus tantos vaqueiros.

Ia passando só de passagem, porém refreou o alazão ao avistar uma menina saindo na porta da casinha de cipó e barro. Teve de passar a mão nos olhos para ver se era verdade o que via à sua frente.

Confirmou num sorriso desavergonhado. Em seguida acenou para o vigário que lhe acompanhava e num repente já estava mandando a menina chamar o pai. Ao avistar o patrão, o homem estremeceu, pois conhecia a fama ruim daquele dono do mundo.

Mas estranho mesmo se sentiu quando percebeu um sorriso no rosto do velho e foi abraçado como um bom amigo. Coisa boa não é, pensou. Quase sem voz, perguntou o que o patrão desejava visitando uma casa tão pobre.

O velho mirou a menina de cima a baixo, fez menção de que ia falar o que desejava, mas resolveu primeiro dialogar com o vigário. Chamou o da igreja num canto e começou a segredar.

Após ouvir as intenções do coronel, porém procurando a melhor forma de dizer o que achava sem despertar qualquer ira, o vigário começou a explanar. E se alguém estivesse entre eles certamente ouviria:

“Mas coronel, ela é muito novinha, é uma menina ainda. Mas se caiu nas suas graças, então o melhor a fazer é assegurar que mais tarde ela seja sua. Então faça com que o pai dela lhe prometa que assim que ela estiver mais crescida, já mocinha, então irá entregá-la de mão beijada no casarão”.

E foi assim que a menina, sem mesmo saber de nada, passou dali em diante estar prometida ao Coronel Ponciano Pindaré, senhor absoluto daquele mundo e de tantos outros.

Na verdade, a menina era quase criança ainda, não tendo nem chegado aos dez anos. Ainda brincava de boneca e dormia chupando dedo, e sequer sabia o que era namoro ou essas coisas de homem e mulher. Por outro lado, o coronel já era reconhecidamente velho.


Velho e viúvo, já quase chegado aos oitenta, mas metido a ser fogoso. Dizem que gastava fortunas no Cabaré da Francesa, todas as vezes que se dirigia até a capital. Mas seu sonho era mesmo encontrar alguém quem nem lhe chamasse de velho nem lhe negasse um dengo.

Continuando na normalidade empobrecida da família, a menina sequer imaginava que estava prometida. Seus pais não diziam nada porque tinham bastante interesse que tudo desse certo mais tarde. Ora, sua filha ia ser herdeira do coronel.

De três em três meses o poderoso patrão passava pela casa dos pais da prometida. Mas sempre ouvia do vigário acompanhante que esperasse um pouco mais, pois ainda não estava no tempo certo.

Passado um ano, o coronel mandou chamar o vigário ao casarão para dizer que vinha sentindo alguma coisa estranha na sua saúde e que, por isso mesmo, precisava logo trazer a menina antes que lhe acontecesse o pior.
O vigário respondeu-lhe que já que se sentia assim, trazer a prometida seria a morte certa, pois suas forças sucumbiriam de vez diante da carne nova demais. E indicou-lhe uns dez médicos.

Passado mais um ano, eis que o coronel manda chamar novamente o vigário. Disse que estava com a saúde perfeita, mas pressentindo uma dorzinha nos joelhos parecendo reumatismo. Mas nada disso impedia trazer logo a menina, que já devia estar mocinha.

Mas o vigário negou-lhe prontamente a pretensão. Disse que precisava se curar de todos os males antes que pudesse ver à sua frente uma flor tão bela e jovial. E indicou-lhe mais dez médicos.

Os anos foram passando com o velho coronel insistindo em mandar logo buscar a prometida e o vigário sempre inventando uma desculpa para livrá-la daquela velharia repugnante. Mas eis que um dia o coronel risca na porta da igreja em cima de seu alazão e manda que o religioso o acompanhe. Havia chegado o tempo de buscar a menina, disse um tanto carrancudo.

O vigário, sem mais saber o que fazer, lançou-se aos últimos pensamentos enquanto seguiam pela estrada. Então se lembrou de uma coisa que poderia dar certo. Disse que a menina já era mocinha, porém já havia fugido com outro.

Ao ouvir, o velho coronel avermelhou, estuporou, soltou fogo pelas ventas, ficou a ira em pessoa. E colocou a mão no peito para depois tombar, já morto. Em seguido o vigário retornou calmamente, deixando o morto ao léu, prometido aos urubus.

Poeta e cronista
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