Por Rangel Alves
da Costa*
Quem dera ser
poeta e em versos azuis/esverdeados cantar toda a beleza do mar. Quem dera ser
literato e inventar uma história bonita desde o porto às distâncias sem fim.
Quem dera ser navegante e singrar entre calmarias e procelas rumo ao
desconhecido destino. Quem dera ser terra, areia de cais, beira d’água, caminho
molhado, estrada d’além.
Jorge Amado
descreveu o mar como o misterioso que chama à vida e à morte. Os negros do cais
recolhendo os cestos de frutas olorosas trazidas do recôncavo em faustosas embarcações.
Relatou acerca dos meninos vivendo ao redor do porto e daquelas águas com canto
de sereia. As mulheres chorosas tentando avistar o barco de retorno. Os corpos
ardentemente suados se entregando aos prazeres do cais. E as velas acesas para
os santos e orixás, oferendas de graça e rogos de dor. Tudo ali na beira do
mar.
Os versos
camonianos glorificaram as bravuras dos intrépidos navegantes em meio à fúria
do mar tenebroso. E disse o poeta que “Por mares nunca de antes navegados/
Passaram ainda além da Taprobana/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais do que
prometia a força humana/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto
sublimaram”. Um canto das conquistas lusitanas vencendo as fúrias de mares
desconhecidos, cheios de mistérios e fazendo chegar a portos impensados aos
homens de então.
E mar também
presente em Hemingway. Ora, o seu “O Velho e o Mar” nada mais que uma ode à
persistência perante as dificuldades. O velho pescador lança todas suas forças
naquela que talvez seja sua última conquista. Experiente, vivente do mar e para
o mar, jamais imaginaria que aquele peixe lhe fosse tão custoso de ser
alcançado. E também a demonstração que o mar e os seus seres possuem tamanhas
forças que desafiam o entendimento do mais experimentado dos pescadores.
Mas o mar está
em tudo, em todo lugar, até mesmo naqueles inesquecíveis versos da Portela de
1981, com seu enredo “Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite”,
numa genial composição de Davi Correa e Jorge Macedo: Deixa-me encantar com
tudo teu e revelar lá, la, iá/ O que vai acontecer nessa noite de esplendor/ O
mar subiu na linha do horizonte desaguando como fonte/ Ao vento a ilusão teceu/
O mar, oi o mar, por onde andei mareou, mareou/ Rolou na dança das ondas no
verso do cantador/ Dança quem tá na roda/ Roda de brincar/ Prosa na boca do
vento e vem marear/ Eis o cortejo irreal com as maravilhas do mar/ Fazendo o
meu carnaval, é a vida a brincar/ A luz raiou pra clarear a poesia/ Num
sentimento que desperta na folia/ Amor, amor/ Amor sorria, ôôô/ Um novo dia
despertou/ E lá vou eu, e lá vou eu, pela imensidão do mar/ Esta onda que borda
a avenida de espuma me arrasta a sambar”.
No cenário
musical, talvez o mais marinheiro tenha sido Dorival Caymmi. Cantou o mar
baiano de forma poeticamente triste, como as águas que chegavam ao cais num
misto de dor e sofrimento. E tal poética é revelada em canções dolentes como “O
mar”: “O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito/ O mar.../ Pescador
quando sai nunca sabe se volta, nem sabe se fica/ Quanta gente perdeu seus
maridos, seus filhos nas ondas do mar/ O mar quando quebra na praia é bonito, é
bonito...”.
E assim o mar
vai sendo avistado, sonhado, escrito, cantado, navegado. De olhos tristonhos e
pés descalços alguém caminha na beira do cais. Adiante, em ondas que chegam e
recuam, o mar cantando sua misteriosa canção. Para muitos é um chamado, para
outros apenas soluços molhados que se espalham na areia.
Há um velho
farol que deixou de iluminar por causa dos olhos constantemente encharcados.
Olha adiante a avista aquela mansamente falsa imensidão, tudo tão solitário e
triste. Apenas um barquinho que vai sumindo na linha do horizonte. E ao redor,
por cima das areias úmidas e próximas às pedras lavadas de açoite, flores
mortas se deixando levar. E mais adiante alguém que caminha ao abraço das águas
profundas. Do mar...
Poeta e
cronista
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