Por Joab Aragão
À memória de Juraci
Guimarães Andrade, o indefectível Magro de Aço.
Joab Aragão
Recebida a missão,
coloco os papéis na bolsa e, com o roteiro previamente traçado, ponho o carro em
funcionamento, e me dirijo para os areais do Piauí, fronteira com o Ceará.
Depois de percorrer
sessenta quilômetros de asfalto, tomo uma estrada vicinal e sigo direção ao norte,
em busca da fazenda, citada no corpo da cédula hipotecária. O banco, para efeito
de uma ação de execução, necessitava de um levantamento dos bens hipotecados, e
avaliar a situação de insolvência do cliente. Rodo vários quilômetros sobre um areal
imenso e desabitado. O sol das dez horas já esquentava a manhã de verão além da
conta esperada. Finalmente, descortinada uma extensão de várzea, salpicada por carnaubeiras,
onde pastavam poucas ovelhas e alguns jumentos, vislumbro uma habitação comum na
região. Tratava-se da fazenda procurada. Uma sertaneja, com aparência sofrida de
uns quarenta anos nas costas, chega até a porta e responde a minha saudação com
um bom dia tão fraco que quase não saía da boca. Confirma que ali, eram, realmente,
as terras que eu procurava, e que o marido, antigo vaqueiro, que fora o responsável
pela condução daquela propriedade, saíra ao amanhecer para trabalhar numa fazenda
vizinha, uma vez que, onde outrora havia criação de vacas de boa origem, de
ovelhas de boa raça e de uma regular produção de cereais estava, como podia ser
vista, naquele estado de decadência, sem a mínima condição de sobrevivência.
Resolvi esperar
pelo retorno do antigo vaqueiro.
Sentado num tamborete
rústico, debaixo do alpendre, aguardei o regresso do meu informante, e agora trabalhador
diarista em outras terras. Concentrado, analisava o quadro desolador da fazenda.
Lancei a vista sobre o velho curral. Divisei um amontoado de madeiras e telhas
que denunciava ter sido, naquele local, um antigo aprisco. Mais à frente, depósitos
em ruínas, cercas caídas. Sinais de abandono. Não deu para avaliar o tempo empregado
na contemplação do quadro. Dentro da casa, a mulher do bom dia fraco, comandava
a lida doméstica. A molecada miúda fazia barulho pela cozinha.
Meio dia.
De repente, o rinchado
de um jumento despertou-me da concentração. Ao contrário da cantoria de Luiz Gonzaga,
o jerico não estava a marcar as horas, não. Anunciava, sim, com o relincho, a aproximação
de um cavaleiro. Num meio galope, cavaleiro e montaria chegaram ao terreiro. Tratava-se
do dono da casa, o meu candidato a informante. Magro, moreno, chapéu de couro de
abas bem pequenas sobre a cabeça, montado em pelo numa égua magra que teimava em
balançar o rabo sujo de fezes pastosas, para afastar as moscas impertinentes. Apeou-se,
cumprimentou-me e perguntou-me a razão da minha permanência ali. Respondi- lhe que
era por conta de uma vistoria em todo o território da fazenda, para fins de avaliação,
pois os bens do seu patrão provavelmente iriam para leilão. Prestativo, não se fez
de rogado. Pediu tempo apenas para engolir uns caroços de feijão. Convidou-me para
acompanhá-lo no repasto. A fome atestou-me que
aqueles
caroços de feijão
eram mais do que bem vindos naquela ocasião. Bocado comido, partimos, ele e eu,
no cumprimento da missão. Muita terra percorrida e pouca benfeitoria encontrada.
No meio desse acervo, um grupo gerador de energia elétrica em péssimo estado de
conservação. Dada a tarefa por encerrada, retornamos à moradia onde, debaixo do
alpendre, eu complementava meu relatório. No término, para aguçar minha curiosidade,
perguntei-lhe qual a razão da decadência econômico-financeira do patrão, pois, pelo
que pude apurar, o homem fora possuidor de muitos bens e detentor de créditos, e
a situação do momento era de insolvência... O que acontecera, afinal?
De pé, tirou a
cumbuca do chapéu de couro da cabeça. Com a mão esquerda passou os dedos pelos cabelos,
deu uma cuspida para um lado, me olhou e disse, com ar circunspecto:
- Meu patrão,
foram só três coisinhas véias e besta!
- Três coisinhas...
E que coisinhas foram essas? Indaguei.
- Jogo, muié
e bibida. Coisinhas véias e besta ...
In DEBAIXO DO
ALPENDRE, Aragão, Joab – Edição do autor - 2015
Sobral, 28.02.2011
Enviado pelo professor, escritor, professor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso
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