Por Rangel Alves
da Costa*
As prateleiras
dos botequins atuais nem parecem com as de antigamente. Os sortimentos não
possuem a variedade de outrora. Desde a entrada ao pé do balcão, nada mais faz
lembrar o que se encontrava noutros tempos em cada canto interiorano. Também
quase não há mais botequim, ou autêntico boteco de gole e mordida na fruta
verdosa. Quando muito um barzinho qualquer repetindo música de apaixonar traído
ou abandonado. Te amo meu bebê, e por aí vai.
Os botecos
interioranos de hoje não possuem qualquer atratividade. Sequer um bom papo
oferecem, muito menos uma visita que se alonga pelo prazer do gole e do
proseado, sem pressa de olhar o relógio. Daí ter se tornado um gesto muito
menos prazeroso a aproximação do pé do balcão. Pedi o que, se praticamente não
há mais um aperitivo confiável, uma cachacinha da boa, autêntica, do engenho
mesmo ou de fabricação garantida?
Aliás, nem os
botequins nem as mercearias atuais guardam sequer as sombras passadas. Não que
tivessem de envelhecer com a mesma feição, mas que não se transformassem tanto,
e para pior. Com o crescimento e desenvolvimento das cidades, também sua vida
própria e seus costumes vão sendo modificados. A própria cidade passa a
desconhecer os seus, os aspectos bucólicos vão dando lugar a novidades que
tornam tudo comum. E a modernidade vai impondo um ritmo que vai consumindo a
própria história, as tradições e a memória de quase tudo que um dia existiu.
As mercearias
foram as que mais se transformaram, e para perder toda aquela suntuosidade tão
própria desse comércio de feição interiorana. Bastava entrar por qualquer das
duas ou três portas e logo se avistava, quase sempre pelos cantos do balcão ou
em cima de uma mesinha, uma variedade de produtos hoje praticamente
inacessíveis àquela clientela cativa. Antigamente, pelos balcões ou descendo do
telhado em cordames, as pessoas logo avistavam o que fazia parte de qualquer
mesa. Ali as carnes salgadas, os queijos, os embutidos, e tudo a preço
acessível. Sem falar no caderninho que facilitava muito a vida de todo mundo.
Hoje a jabá
tornou-se caro demais ao povo pobre. E o mesmo se diga com relação ao peixe,
principalmente o bacalhau. Mas noutros tempos era muito diferente. Tais
produtos, diferentemente de agora, não eram exclusividade de supermercados,
mercadinhos ou similares, mas à disposição de todos nas pequenas vendas e
mercearias interioranas. Até mesmo em pequenas povoações, naquelas vendas ao
redor dos sítios e arruados, era possível encontrar a carne-seca e o bacalhau,
bem como a legítima mortadela e outros embutidos.
Os fardos de
bacalhau eram logo avistados desde a entrada. A maior quantidade empilhada nos
cantos do balcão de madeira de lei, coberta com pano de saco de estopa, e uma
pequena parte, servindo como amostra, pendurada em cordames descendo do
telhado. Era só chegar, mandar cortar uma lasca e experimentar a salgação e o
gosto, e depois pedir para cortar a quantidade desejada e a preço barato. E por
preço baixo mesmo, pois por muito tempo o bacalhau foi acessível às panelas
mais empobrecidas da população.
As peças de
carnes-secas igualmente se avolumavam nos cantos dos balcões. Uma parte também
era pendurada e experimentada aos pedacinhos. Sempre foi costume interiorano
experimentar um pedacinho antes da escolha final. Nem todo vendedor gostava de
se dar ao trabalho de cortar lascas de bacalhau e de jabá, principalmente
àqueles que pediam não para sentir o gosto, mas como tira-gosto. Assim porque
acabava em prejuízo oferecer uma lasquinha disso ou daquilo a todos que
desejassem molhar o bico na aguardente.
Aliás,
aperitivo que nem precisava de tira-gosto para afastar a ripunação. Não
precisava porque, ao contrário das cachaças atuais, naqueles idos as
aguardentes eram de qualidade e procedência. Acaso o cabra, ao invés de uma
pinga engarrafada, preferisse uma cachaça de engenho, derramada do barril, podia
tomar sem medo de ser batizada. Era a branquinha legítima, pura, e por isso
mesmo ainda mais malcriada e perigosa. Desce até saborosa, sem faiscar pelos
cantos, mas depois pode se tornar num deus nos acuda. A branquinha de engenho
tem disso: o fogo-morto se transforma em labareda. E acima da medida é queda na
certa.
Mas um tempo
de aguardentes de renome e respeito, ao menos na história etílica interiorana.
Daqueles idos, hoje só restam, e com qualidade muito inferior, a Pitu e a
Caranguejo. Já não se ouve falar em Capim Santo, Serra Grande, Pau de Arara,
Teimosinha, Tatuzinho, Gato e Praianinha, dentre muitas outras. Também difícil
encontrar aqueles vinhos artesanais de jurubeba. Até mesmo as famosas cajuínas
e tubaínas sumiram das prateleiras interioranas. Na verdade, nem o autêntico
ki-suco é facilmente encontrado.
Outra bebida
com feição interiorana e que vai se tornando raridade, ao menos na legitimidade
de preparação, é a cachaça misturada com raiz de pau. Angico, umburana, bonome,
aroeira e uma vegetação inteira, dão um sabor especial à aguardente. A lasca da
árvore ou o pó da raspagem, misturado à cachaça e deixado adormecer por uma ou
duas noites, desperta como maravilha sertaneja. E tão gostosa é que o santo
exige o seu gole primeiro.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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