Por Rangel Alves
da Costa*
Não é raro
encontrar pessoas que temem a escrita a ferro e fogo. E os argumentos são os
mais variados possíveis. O primeiro é sempre de que não sabem escrever. Pensam
corretamente, têm tudo esboçado na mente, mas não sai nada na hora de colocar
no papel. Imaginam uma situação, uma cena ou paisagem, porém perdem o poder
descritivo quando necessitam transpor para a narrativa escrita.
Justificam
ainda a falta de domínio da gramática, vez que falar é uma coisa e escrever é
muito diferente, principalmente porque devem obedecer a uma série de regras que
vão desde a concordância verbal e nominal à acentuação, e apenas para ficar no
mínimo. E passam a temer que o seu texto, por conter erros de pontuação, grafia
de palavras e outros deslizes gramaticais, acabe provocando zombaria e
preconceito nos futuros textos.
Realmente, a
língua portuguesa é muito complexa, as normas gramaticais são muito extensas,
as exigências são muitas. Mas assim também deveria ser com a língua falada,
pois expressão da mesma linguagem. Contudo, todo mundo fala, se expressa como
pode e sabe, e nem por isso se pode afirmar que infringe ou fere de morte a
língua camoniana. Certamente que sempre há quem pregue a linguagem culta tanto
na fala como na escrita, mas apenas uma exigência linguística sem grande
utilidade na vida prática.
Sempre defendi
a língua liberta de quaisquer amarras, livre dos grilhões do academicismo nas
palavras e nas letras. Ora, se a língua é criação humana, nascida das
necessidades de comunicação, logicamente que nenhuma regra impedia que os
primitivos compreendessem o linguajar do outro. Negar a força espontânea da
fala é o mesmo que pretender que o sujeito perca um tempo precioso escolhendo
palavras. O mesmo se diga com relação à escrita. A estrita obediência às regras
gramaticais acaba inibindo toda liberdade criativa.
Também não
vejo como exigência que a pessoa tenha de se expressar segundo a norma culta. A
maioria das pessoas possui a linguagem coloquial, corriqueira, e assim deve ser
praticada. Jamais deve ser tida como errada uma fala onde a comunicação se
aperfeiçoa, pois um entendendo o outro. Desse modo, a normalidade da língua,
que é o falar cotidiano, possui tamanha expressividade que o mundo se comunica
pela sua voz. Diferentemente ocorre quando alguns usam o rebuscamento da
linguagem como forma discriminatória e de negação do saber geral.
Ademais, soa
igualmente inteligível o tão conhecido falar errado. Mas o que seria falar
errado quando a comunicação é feita, entendida, alcançando seus objetivos? Se o
erro está em confrontar a língua culta, a gramática normativa, então o
desacerto está nas regras e normas, que impõem situações diferentes daquelas
construídas pela própria população. Neste sentido, se poderia dizer que a fala
ou a escrita está errada só porque a gramática exige que seja de outro modo?
Não há nada
mais puro e autêntico que a linguagem simples, sem floreios e rebuscamentos,
surgida na boca como fruta do mato. Na palavra cotidiana, regionalista, matuta
ou própria dos povos, há uma singeleza e expressividade impossível de ser
alcançada pela imposição de normas. A voz soa liberta, esvoaçante, nas asas
passarinheiras, e dançando vai ser ouvida e sentida pelo outro igualmente
acostumado à festa nua da palavra.
Nos escritos
elaborados sentimentalmente há também essa ruptura com os morfemas, prosopopeias,
sintaxes, numerais, advérbios, substantivos e todo um encadeamento de regras
gramaticais que sufocam a palavra, aprisionam os escritos, negam a plena
liberdade da língua e acabam petrificando frases e expressões nascidas para
encantar. Numa cartinha escrita com o coração há um humanismo e uma singeleza
que jamais seria possível num texto forjado na norma culta.
As descabidas
exigências de alguns com relação à fala e à escrita acabam criando situações
verdadeiramente constrangedoras. Tem gente que conversa o dia inteiro com
amigos e iguais, sem qualquer preocupação com o entendimento que se dê ao que
expressa, mas que possui o maior medo de abrir a boca noutra situação social,
principalmente se diante de algum “doutor”. Emudece de vez, ainda que na sua
mente estivesse palavra por palavra. Logicamente que perde a oportunidade de
ser apenas o que é e dar vida à pureza de sua fala.
Certamente que
nessas gavetas do tempo, nos escondidos dos diários e cadernos de solidão, há
escritos encantadores esperando apenas a liberdade do voo. Poemas, frases,
pequenas histórias, relatos intimistas, e até romances e contos, permanecem nas
sombras por medo da reprimenda social pela escrita “cheia de erros de
português”. Lamentável que assim aconteça, pois a importância do escrito ou a
pujança criativa nele contido não pode ser desprezada pela ditadura da língua e
da gramática.
Todos,
indistintamente, devem reconhecer que as palavras e as letras são como pássaros
engaiolados pela gramática que precisam ser libertados. E abrir a porteira da
fala e da escrita implica em ter coragem de se expressar sem imposições, de
escrever sem obediências, de ser aquilo que se acha com capacidade de ser. E
que belo voo esse da língua que vai onde quer, sem armadilhas ou preconceitos.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Nenhum comentário:
Postar um comentário