Por Rangel Alves
da Costa*
E vem no passo
do tempo, no cansaço dos dias, transbordando esperanças de um futuro melhor. E
vem na correria desenfreada, com os pés feridos da estrada, tomado de suor e
fadiga, mas carregando promessas de grandes realizações. O cansaço parece de
nada diante do muito ainda disposto a conseguir. Depois de tanto caminhar,
repousa apenas um pouco e já se prepara para seguir em frente, pois o olhar já
avista a janela entreaberta e após ela um novo dia, uma nova estrada, um novo
ano.
Já é dezembro,
o guardião do passado, do presente e do futuro. Já é dezembro, na porta que
oscila entre o fechar e o abrir, insistente em ficar e tendo de seguir. Já nos
dias de dezembro e ainda vem olhando atrás, construindo o presente,
entristecendo e sorrindo, somando e se confortando com o conseguido, e sempre
dizendo a si mesmo que amanhã será bem melhor. Eis o momento sem igual para os
apanhados e as promessas, para os reconhecimentos e os compromissos.
Desde os
tempos mais remotos que o último mês do ano chega acompanhado de um misto de
confissão e juramento. Todos os meses e dias passados, quase sempre renegados
pelas pressas da existência, afloram de uma só vez e como um baú se abre
perante a pessoa. E não há como fugir desse reencontro, mesmo que tudo venha
entremeado de alegrias e aflições. Tudo escrito no caderno da vida e que já não
pode mais ser apagado, a não ser pela promessa espiritual de fazer sempre
melhor ou diferente.
Contudo, já
próximo ao final dessa caminhada de cada ano, já não se presencia mais o
cenário de outros tempos, as feições singelas e cativantes próprias do período
natalino, das antecedências comemorativas do final de ano. O dezembro que surge
não é mais aquele com espírito fraternal, carregado de nostalgias e releituras
da vida, possibilitando o reencontro de familiares e bons amigos. O ar
dezembrino não mais exala o perfume suave dos incensos e das velas aromáticas
nos candelabros antigos.
Com o tempo,
as transformações. Praticamente não se encontra mais cartões de boas-festas e
muito menos a distribuição de calendários de bolso e de parede. As mensagens de
felicitações desapareceram das emissoras de rádio e televisivas. Até mesmo os
enfeites natalinos rareiam cada vez mais, tanto nos centros urbanos como nas
residências. Os presentinhos singelos também não são mais lembrados como
noutros tempos. Os parques não recebem mais carrosséis, diversões para toda a
família, maçãs do amor e algodões doces. Uma pipoca colorida e um passarinho
que voa na ponta de uma varinha. Tempos, tempos...
As árvores de
natal já eram dispostas e enfeitadas antes mesmo da entrada do mês. Ao
anoitecer as janelas começavam a brilhar com os pisca-piscas de luzes
multicoloridas. Os presépios eram presenças certas em muitas residências.
Grandes ou pequeninos, da porta eram avistados os personagens e objetos ao
redor da manjedoura. Não raro os velhos discos com canções natalinas eram
retirados dos baús e pelas ruas se ouviam as harpas e os acordes tão próprios
àqueles dias sempre tomados de sentimentalismos.
Por força dos
novos tempos e das mudanças tantas, o que se tem é o forjamento da visão de
dezembro como um mês qualquer do ano, sendo apenas o último, e por isso mesmo
motivo maior para ser logo ultrapassado. Diferentemente do que anteriormente
ocorria, quando o mês era aguardado com fervor e adoração, representando
oportunidade de reflexão e de renascimento, agora é mais visto apenas como o
período para festejar as conquistas ou esquecer nos copos os objetivos não
alcançados. E muitos simplesmente até desejam que passe logo para que o novo
ano tenha início.
Mas dezembro
não é apenas um mês. Dezembro não é apenas o último e tão aguardado mês do ano.
Dezembro é simbologia, é espiritualidade, é reencontro. Como o ser humano que
escolhe o pós entardecer ou o noturno para as reflexões sobre os feitos daquele
dia, igualmente é dezembro como instante apropriado para as meditações sobre os
percursos passados.
Cansada dos
afazeres do dia, logo a pessoa ansiosamente espera o instante de repousar. Ao
encontrar o silêncio então se põe a refletir sobre as mais diversas situações,
num reencontro com os feitos, as alegrias e as tristezas. E após isso, seja
mais alegre ou entristecido, mesmo assim estará mais fortalecido para o amanhã.
Assim também com dezembro e os seus dias de cinzas e renascimentos.
A sua chegada
traz consigo um sentido de alcance da última curva da estrada para, enfim,
chamar à porta de um novo tempo. Todos querem alcançar esse destino, e por isso
mesmo caminham ávidos por chegar. Daí que este último mês do ano consegue
reunir nos seus dias um misto de expectativa, de ânsia, de desejo, de
possibilidade de construção de um novo caminho. Já conhece a estrada passada e
deseja o passo seguinte com mais certezas e menos labirintos. E com paz, saúde
e felicidade.
Mas não se
espante se o carteiro entregar um daqueles cartões natalinos tão bonitos.
Também não se espante se um bom amigo presenteá-lo com uma lembrancinha
singela. Dezembro ainda vive com espiritualidade e alma. Por isso mesmo que
muitos sapatinhos ainda são colocados nas janelas.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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