Por Rangel Alves
da Costa*
Fantasias,
ilusões e mentiras persistem de modo tão alentador que jamais deverão perder
suas razões de existência. Precisam, cada vez mais, serem confirmadas como
verdades. E simplesmente porque servem de sustentáculo à vivência num mundo
onde a realidade é tão cruel, desumana e desesperançada. Diante da face tão
cruel do instante, alça-se voo mental em busca de qualquer ilusão que torne o
viver menos angustiante.
As quimeras e
utopias servem como possibilidades diante do impossível. Muitas vezes é preciso
sonhar, fantasiar, inventar, criar realidades e situações, viver no imaginário,
como única forma de fugir à mesmice cotidiana e suas realidades nada
alentadoras. Desse modo, o ser humano, seja criança ou adulto, necessita manter
uma porta aberta no seu espírito e na sua alma para que as fantasias aconteçam
e os imaginários permitam esperanças e alegrias.
A imaginação
humana não deve se voltar apenas para o espelho real. Deverá ultrapassá-lo para
permitir viagens, sonhos, divagações afetuosas. Deverá ultrapassá-lo para
buscar outros sentidos na existência, de modo que esta não signifique apenas
viver para o dado, o certo, o concreto, sem chances de moldar o que se mostra
tão feio e frio. Somente com a fantasia o espelho poderá ser ultrapassado para
o encontro e a preservação daquilo que verdadeiramente provoca mais humanização
ao viver.
Ora, certo é
que Papai Noel não existe, bicho-papão não existe, o boi da cara preta não vem
pegar a criança que não quer fazer isso ou aquilo, sapatinho colocado à janela
na noite de natal não será avistado senão por pessoas. Verdade que as crendices
populares só possuem eficácia na mente daqueles que nelas acreditam e também
que a bruxa malvada não vem dar vassourada em menino que não quer tomar banho.
Mesmo não existindo, tais fantasias precisam existir e ser preservadas no
coletivo social e na mente de cada um.
Como afirmado,
tais fantasias alimentam os seres de possibilidades que a realidade jamais
poderá oferecer. O ser humano também precisa da ilusão e da crença no irreal, precisa
ir além do visível e palpável em busca do que sua imaginação requeira como útil
e agradável. E até necessário, pois, como já asseverado por alguém, o ser que
se despe de qualquer sonho ou simplesmente deixa de sonhar, logo se verá órfão
daquilo que não é sonhado e refém da realidade mais indesejada.
Por isso que
as fadas, os duendes, os elfos, os seres encantados das florestas e todos os
mistérios da imaginação devem continuar existindo nas crenças, nos corações e
mentes. As histórias da carochinha precisam continuar sendo ouvidas e
acreditadas como se verdadeiras fossem. As lendas, fábulas, histórias de bruxas
malvadas, princesas apaixonadas e príncipes valentes devem continuar atraindo
cada vez mais a atenção das pessoas. E que mundo triste e tedioso de ser vivido
aquele onde os portais da imaginação não podem ser abertos para os voos muito
além do real.
As provas
certamente são poucas, mas a maioria das pessoas acredita na existência de
seres fantasiosos que aguçam a imaginação. E não querem deixar de acreditar
simplesmente porque não só convivem bem com o desconhecido como precisam acreditar
em existências imaginárias. E assim acontece porque a realidade desde muito
deixou de atrair, de alegrar, de cativar, de tornar possível qualquer sonho
bom. E também acontece porque o instinto infantil de cada um permanece
inalterado e precisando ser alimentado pelas ilusões e fantasias.
Para um
dimensionamento da importância da presença do invisível, basta que se indague
acerca da crença nos anjos e nas santidades. A maioria das pessoas não só
acredita na existência dos seres celestiais como dizem que possuem anjos de
guarda. Nas preces e orações conversam com os santos como se estes estivessem
ao lado, como presença constante. Do mesmo modo ocorre na crença da existência
de seres fantásticos, encantados, elementos sobrenaturais. Não há quem não se
encante com os proseados sobre sacis, caiporas, mulas-sem-cabeça,
fogo-corredor. E a crença passa a ser tamanha que de vez em quando alguém
afirma ter avistado o cavalo sem cabeça soltando fogo em disparada.
Eu sou exemplo
de crença no ilusório. Ainda hoje tenho como real aquele Pequeno Príncipe
encontrado na obra de Antoine de Saint-Exupéry. É como se agora o avistasse
pulando de cometa em cometa, conversando com sua rosa, a serpente e o Baobá,
espalhando sabedoria e dizendo, enfim, que o essencial é invisível aos olhos. E
é mesmo, pois somente o coração para traduzir todo o encanto daquilo que
acredita e fazer dessa crença uma força que alimenta a existência.
Ao entregar ao
netinho o presente de natal, o avô foi logo dizendo que ele estava sendo apenas
mensageiro daquilo que Papai Noel havia deixado com seu nome na lareira. Mas o
menino, entremeado de alegria e surpresa, deixou o avô ainda mais surpreendido
ao falar: Vô, não precisa inventar essa história. Já sei que Papai Noel não
existe. Ouvi um amigo dizer que menino que continua acreditando em Papai Noel
nunca cresce, nunca se torna gente grande.
Então o avô
abraçou-o e disse quase em segredo: Meu netinho, já sou um velho e mesmo assim
sempre acreditei em Papai Noel. E só cresci, me tornei adulto e cheguei onde
estou porque sempre acreditei naquilo que muitos diziam inexistir. Primeiro
acreditei em Deus e depois em tudo aquilo que fortalecia minha alma. Ademais, a
criança se faz homem levando os sonhos e crenças que jamais deseja
desacreditar.
Poeta e cronista
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