Por Rangel Alves
da Costa*
Desde muito
que o trem partiu. Ainda falam das janelas abertas em acenos, das mãos com seus
lenços molhados, das flores entristecidas caindo ao chão. Trem da memória, trem
dos tempos idos, das coisas boas e esperanças que seguiram nos trilhos. A
estação, no coração, no âmago e na mente de cada um, restou solitária e triste.
Mas agora esperam o retorno do trem.
São muitos os
que continuam esperando o trem. Faces e feições diferentes, idades diversas,
jeitos de ser e viver também diferentes, porém todos com um só motivo para o
tão desejado retorno do trem. E o motivo não é outro senão a esperança de que o
apito do trem surgindo ao longe, na curva da montanha, traga consigo a
esperança de um tempo novo.
Seria até contraditória
a esperança de que um trem partido há tanto tempo, já com velhos e enferrujados
vagões, fazendo-se anunciar com um apito já tomado pela rouquidão, ainda
consiga parar na estação e fazer surgir diante de olhares marejados aquilo que
tanto desejam como algo novo.
Mas eis que o
novo fruto da realidade presente, do instante da vivência, infelizmente ainda
não conseguiu ser de mais importância que as velhices passadas. O presente, ao
se mostrar tão angustiante e doloroso, envolto em medonhices e temerosidades,
nada mais fez que tornar o envelhecido como algo que avidamente se deseja para
a suportabilidade dos dias. Desse modo, o que já passou é desejado de tal forma
que até a ilusória possibilidade de seu ressurgimento é tida como algo novo,
como uma tábua de salvação.
Por tais
motivos, porque tanto desejam que o trem desponte adiante e traga consigo esse
novo envelhecido, é que todos esperam a chegada do trem. Janelas e portas
abertas, estradas tomadas por caminhantes, por todo lugar e de todas as direções
vão surgindo pessoas e todas seguindo rumo à estação. Levam flores, buquês,
perfumes, dádivas de boas novas, oferendas para o que chegará nos vagões do
trem.
Quanta
esperança num povo que não foi acolhido pela modernidade. Imaginava-se que o
percurso do mundo possibilitaria o surgimento de grandes conquistas além do
meramente tecnológico. Os grandes avanços garantiram apenas o encurtamento das
distâncias, a globalização das relações, progressos nas pesquisas científicas,
o surgimento de um infindo aparato de equipamentos eletrônicos; enfim, a
informatização da vida. Contudo, a condição humana parece ter sido relegada ao
esquecimento.
Neste mundo
novo, informatizado em todas as esferas, de acessibilidade com rapidez
impressionante, mais compacto em todos os quadrantes, o espaço do homem passou
a ser de menor importância. Infelizmente, o cidadão, o indivíduo enquanto ser
biológico, sensível, guardando em si sentimentos e aspirações, não recebeu o
reconhecimento devido. Pelo contrário, as inovações surgidas são para atrair o
homem, escravizá-lo, torná-lo submisso à tecnologia, e jamais para preservar
sua esfera humanista e solidária.
A bem dizer, o
progresso colocou o homem ao abandono. O novo surgido interferiu nas relações
familiares, tornando-as quase inexistentes; a modernidade tornou o ser muito
mais egoísta, com maior senso de autossuficiência, vez que quase tudo pode ser
conseguido sem o compartilhamento de quem quer que seja; os modismos acabaram
destruindo valores, ética nas relações, moralidade na convivência. Diante de
tal quadro, o homem moderno não passa de um ser solitário numa ilha tecnológica.
Contudo, a
solidão e o abandono do homem moderno não são garantias que não esteja sendo
constantemente vigiado pelos olhos vorazes da violência, da arrogância de
outros homens, verdadeiras feras esperando o instante para o ataque. O próprio
mundo se tornou mais desumano, ameaçador, conflituoso, provando que nenhum
avanço terá a serventia desejada se com o progresso não for semeado o grão da
solidariedade, do respeito, da fraternidade. E infértil será toda a terra onde
não seja semeado o grão do homem ainda possível.
Por isso mesmo
é que as pessoas que se encaminham para a estação ou lá já estão esperando o
trem, sentem tanta falta dos modos de vida de outros tempos. Não desejam,
contudo, voltar ao passado ou abdicar dos frutos presentes em nome do
saudosismo. Mas as incertezas, os medos e os temores com a realidade presente
são tamanhos que lançam todas as suas esperanças no que o trem possa lhes
trazer.
Não esperam
uma nova vida nem a salvação, não esperam a transformação do presente nem a
transformação do homem nefastamente transformado, mas apenas que dos vagões do
trem possa surgir ao menos uma ilusão nova. De tão insuportável sentem a
realidade, clamam apenas que dos vagões surja ao menos um raio de luz. Eis que
talvez ali esteja a claridade que necessitam para encontrar ao menos um pouco
de paz.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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