Por
Rangel Alves da Costa*
Não somente
crápula, desumano e covarde, mas também todas as adjetivações cabíveis numa
infâmia humana. Daí ser também abjeto, desprezível, abominável, execrável... E
tudo de ruim que mais lhe couber. Mas tanto ele
como o outro. O outro desviado para os caminhos do mal, da perdição, da morte
matada. Quem diria...
Por dois
contos de réis e uma falsa promessa de proteção, se tornou matador de mando,
atendendo ordens do Coronel Aurelino Quixabeira. Mas o outro. Sobre este digo
depois.
Antes falo
sobre o crápula, o desumano, o covarde. Tocaiou e matou dois na primeira semana.
No mês seguinte já nem tinha mais pesadelos com as atrocidades feitas, com
tanto sangue derramado.
Armado até os
dentes, de chapéu descendo na beirada dos olhos, cigarro de palha no canto da
boca, deu um murro na mesa do botequim que o coitado do vendeirim se tomou de
uma dor de barriga impossível de ser contida.
Depois encheu
um copo de aguardente limpa, deu uma cusparada dentro e logo gritou em direção
ao aleijadinho que estava escondido por detrás de uma porta. Vira de uma golada
só, e sem respirar, senão morre. Disse empunhando a arma.
O aleijadinho
nem bebia, e também quase nem vivia. E nem viveu mais dali em diante. Engasgou
ao sentir o queimor da cachaça na garganta e ali mesmo caiu estatelado. Um
balanço no meio da testa.
Perguntou ao
vendeirim se tinha achado ruim que tivesse deitado o homem, e como este
forçadamente até sorriu dizendo que não, mais tarde teve de se arrepender pelo
gesto.
Foi
repreendido na hora pelo matador. E de sua boca ouviu que só mesmo um cabra
sendo muito ruim, não tendo sequer coração, pra dizer que não achava ruim a
morte de um inocente.
O coitado do
vendeirim, sem saber o que fazer ou dizer, pensou em logo se ajoelhar e pedir
por tudo na vida que não lhe emburacasse ainda não, pois tinha família e
precisava criar.
Vendo que o
homem estava quase sem se sustentar em pé, num amarelado tremulecido que só
vara verde, o matador mandou que tirasse a roupa naquele mesmo instante e
chispasse feito cavalo desembestado pela rua.
Todo sujo na
traseira, com vergonha de mostrar a que ponto tinha chegado, o coitado saiu
correndo, porém de costas, com a frente do corpo nu voltado para o valentão. E
foi então que este mirou nas partes de baixo.
Num segundo o
homem virou de lado e acabou sendo atingido por uma bala bem no lado da bunda.
E assim mesmo baleado corria de se acabar. E dizem que só soube que tinha sido
acertado no momento que foi se lavar.
Não ficou uma
só garrafa em pé na prateleira do botequim. Antes de sair, o valentão derrubou
tudinho na bala. E em seguida se bandeou para os lados da igreja.
Entrou de
porta adentro e foi diretamente à sacristia avisar ao padre que um defunto
estava lhe esperando para o encomendamento da alma.
Assim que o
vigário avistou o jagunço do coronel seu amigo, cuidou de proporcionar as
boas-vindas e foi logo perguntando quantos tinha matado naqueles últimos dias.
O matador respondeu que o último ainda estava estirado no botequim.
Foi quando o
vigário lhe estendeu uma garrafa de aguardente e disse que dali a pouco
cuidaria disso, mas tinha algo mais importante a dizer naquele momento. E foi
logo falando.
E disse que na
noite anterior ele mesmo, vestido de batina e tudo mais, havia feito um
trabalhinho extra para o coronel seu protetor. O próprio, disfarçado do
inesperado, havia matado dois capangas da propriedade do Coronel Limoeiro.
Colocou um
pequeno maço de notas na mão do jagunço e em seguida disse que as mortes
acontecidas recairiam em seu nome, pois ninguém imaginaria que um vigário
prestasse serviço de mando ao coronel.
O jagunço
virou o copo de uma golada só, colocou as notas de volta nas mãos do vigário e
rumou para a porta. Mas antes de sair falou que era pecado aceitar dinheiro
doado pelos fiéis da igreja.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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