Rogério Mota
Essa Crônica
manda um recado muito forte para os filhos da modernidade. Na realidade, o que
se vê nos dias atuais, são Pais e Mães abandonados nos Abrigos porque os filhos
e as filhas, dessa era moderna, já não têm mais esse sentimento de gratidão.
O que podemos
dizer de tudo isso? Esperar que haja uma mudança de comportamento e que os
filhos de hoje sejam Pais dos seus próprios Pais, no momento necessário.
PAI DE MEU PAI
Por Fabrício Carpinejar
Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e
a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.
É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma
névoa. Lento, devagar, impreciso.
É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se
levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível,
enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua
própria roupa e não lembrará de seus remédios.
E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que
somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa
vida para morrer em paz.
Todo filho é pai da morte de seu pai.
Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última
gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos
foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da
escolta.
E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e
colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos
pais.
Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.
Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.
A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das
águas.
Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés
idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento,
inventaremos nossos braços nas paredes.
A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços
estarão espalhados, sob a forma de corrimões.
Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada
mesmo sem degraus.
Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e
desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores,
engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da
gente?
Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos
arrependeremos de cada obstáculo e tapete.
E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que
aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.
No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor
os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:
– Deixa que eu ajudo.
Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.
Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil,
tremendo.
Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo
equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.
Embalou o pai de um lado para o outro.
Aninhou o pai.
Acalmou o pai.
E apenas dizia, sussurrado:
– Estou aqui, estou aqui, pai!
O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.
Publicado no jornal
Zero
Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 06/10/2013 Edição N° 17575
Enviado por Rogério Mota
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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