Por Rangel Alves
da Costa*
Como se sabe,
a política, tal qual uma hierarquia descrita por Dante, também possui seus
heróis, seus anjos, seus deuses e condenados. Esta última classe, de deuses e
condenados, tantas vezes se confunde de tal modo que é bem possível se avistar
alguém revestido de endeusamentos e sendo levado aos antros de fogo pelo
barqueiro Caronte.
Eis que os
endeusados da política muito bem reconhecem seus erros, pecados e outros
absurdos cometimentos, mas sempre procuram mostrar as melhores virtudes por
medo de serem condenados pela sociedade e, mais dolorosamente, pelos seus
eleitores. Daí que se reconhecem inapelavelmente condenados, porém continuam
fingindo vitórias e aclamações.
É bem
característico de determinados políticos pretender que a sociedade os enxergue
apenas pelo lado positivo, de realizadores e presentes em todas as situações.
Como o mentiroso contumaz que vive semeando a mentira como a mais pura verdade,
o político também interioriza uma falsa noção de honradez que acaba lhe
servindo de escudo contra quaisquer alegações contrárias.
Por mais que
erre, que cometa absurdos, que esteja sendo mal visto pelos olhos da população,
ainda assim tudo faz para fazer de conta que tudo transcorre na mais absoluta
normalidade. Torna-se camaleão refletindo cada momento. E, o que é pior,
tentando a todo custo transmitir a ideia de que contra si nada consta, está
sempre acima de qualquer suspeita e será sempre o melhor nome a ser lembrado e
escolhido pelos eleitores.
Em casos
assim, quando seria preciso que alguém tivesse coragem de alertá-lo sobre sua
real situação, sobre sua desaprovação social pelas informações negativas
repassadas e as provas mais que contundentes já conhecidas, o mesmo não se dá
pelo simples fato de se incorrer no risco de ser ameaçado de processo. Ademais,
o próprio político logo cuida de arregimentar uma legião de bajuladores para
desmentir tudo aquilo que seja desfavorável “à sua honra pessoal e imagem
política”.
Eis que grande
parte dos condenados políticos vive assim, igualmente a deuses imperando no
paraíso dos seus redutos eleitorais. Ainda que estejam no limbo, nos beirais do
fogo eterno, nos portais da perdição, mais parecerão semeadores de sorrisos, de
palavras bonitas, de desmedidas inversões. E diante do povo se tornam mentiras
e perseguições adversárias todas as acusações que lhes estejam sendo imputadas.
É neste
momento que os bajuladores de plantão começam a espalhar que os processos já
foram julgados e os seus deuses absolvidos; que já foram extintos ou arquivados
por falta de provas; que nada daquilo jamais existiu e tudo não passou de uma
manobra adversária tentando macular a imagem de pessoas íntegras, sempre
revestidas da maior honradez e caráter. Logicamente que é tudo mentira, tudo
forjado, mas é assim que funciona para que os endeusados se mantenham no
pedestal.
Verdade é que,
no meio político e perante seus jogadores, uma das maiores preocupações é
sempre manter inatacável a imagem do político. Até aí tudo bem, mesmo que a
desonra não possa se revestir de honradez por muito tempo; contudo, há um fato
muito mais preocupante. E inquietante porque parte exatamente de quem deveria
alijar de sua escolha eleitoral aquele que tem comprovada sua desonestidade
enquanto gestor público.
E isto se dá
quando é o próprio povo, o eleitor, que produz uma imagem de endeusamento tal
do político que nada parece abalar sua confiança e credibilidade. Por mais que
a justiça condene, diga que meteu a mão nos cofres públicos enquanto
administrador, ainda assim será um deus fanatizado. Por mais que intimamente a
liderança se reconheça um verme mentiroso, nada disso fará muito efeito quando
parte da população afirma de suas qualidades divinais.
Conheço casos
envolvendo políticos - e situações costumeiramente noticiadas na imprensa e nas
conversas do povo - que chegam ao verdadeiro absurdo. Ex-prefeitos
retiradamente condenados pelo Tribunal de Contas e até pelas esferas
judiciárias, ameaçados de prisão e tendo de devolver vultosas quantias por atos
de improbidade, corrupção e outros desmandos dos cofres públicos, mas que são
totalmente absolvidos pelos seus eleitores e fanatizados.
As condenações
nada significam para os devotados. Estes afirmam que merecem castigos divinos
os julgadores que encontram máculas no seu endeusado. E achando que injustiças
foram praticadas, se comprometem ainda mais a seguir seus passos. Daí que o
poder do político corrupto vai se perpetuando com a benção dos eleitores, que
continuam votando em quem o condenado indicar.
E por mais que
sejam jogados ao fogo do desprezo e do abandono, os eleitores fanatizados
continuarão absolvendo seu endeusado de qualquer culpa. Não só absolve como
praticamente o santifica.
Poeta e
escritor
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