Por: Rangel Alves
da Costa(*)

Um dos nossos
poetas maiores, o sempre aplaudido Carlos Drummond de Andrade, em 1962 escreveu
um poema onde tece acerca da instabilidade das relações, da mutação dos
sentimentos, da vulnerabilidade dos seres, e também do inusitado nos relacionamentos. Tudo
sintetizado nos versos de “Quadrilha”.
No dizer da
crítica literária, “Quadrilha” se insere no contexto irônico e até cômico do
poeta. Contudo, seus versos são também uma reflexão amarga sobre a fragilidade
existente nosrelacionamentos, sobre os
desencontros amorosos e os achados pelos labirintos das buscas. Antecipando uma
visão da realidade, atualmente se poderia entrever no poema a plena ausência de
compromisso das pessoas e a facilidade com que mudam de atitude segundo a
conveniência.
Neste sentido,
ou seja, no descompromisso, na rápida mudança e na constante busca de
realidades mais proveitosas, é que se vislumbra o seu contexto político. Pois o
amor mutável é também metáfora para outras mudanças, principalmente aquelas que
se fazem perante as conveniências e sem se importar nem um pouco com a ética ou
com a negação dos outros. O proveito próprio é o que basta.
Eis os versos
drummondianos: João amava Teresa que amava Raimundo, que amava Maria, que amava
Joaquim que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado
na história.
Os versos
mostram a repetência de amores frágeis, que se dissipam com a fragilidade das
folhas outonais e diante da visão de outro possível amor. Tanto faz o que
passou e até mesmo o existente, vez que o que se busca é uma nova realidade. E
busca até encontrar aquilo que presuma ser o real e incontestável objeto de
tanta procura. E mais uma vez a feição política: hoje no lugar e amanhã em
outro, que já não será mais porque a conveniência diz que ali será melhor.

Tantas vezes
nos deparamos com tais versos formatados ao contexto político. Por conveniência
ou oportunidade, por negação de princípios ou despudoramento, com a simples
intenção de proveito ou por mera manobra eleitoreira, o que se tem é um monte
de político amando todo mundo e não amado ninguém. Este odiava aquele, e este
nem queria ver a cara daquele, mas determinado momento político acaba tornando
o ódio numa paixão ardorosa e duradoura.
Mas duradoura
só até o momento seguinte ou até quando for proveitoso o relacionamento
apaixonado. Passa a valer, então, o que diz outro poema, “Soneto da
Fidelidade”, dessa vez de Vinícius: Que não seja imortal, posto que é chama,
mas que seja infinito enquanto dure. Quer dizer, a infinitude do amor político,
da ardorosa paixão por conveniência, há de durar exatamente até o instante em
que um deixar de atender os pedidos e anseios do outro.
Tal leitura
pode ser feita tanto com relação aos políticos como aos seus partidos. A
maioria dos políticos, como é do conhecimento de todos, possui o coração
sensível demais, ama num repente, se apaixona fácil demais. Coisa triste é ver
um político apaixonado por quem ontem lhe esbofeteou, denegriu, escorraçou. Mas
tudo fingimento. Depois, dissimulando desilusão, corre aos braços de outro
amor. Quer dizer, de tanto trocar de amor acaba vulgarizando seu sentimento.
E o mesmo se
diga com aqueles partidos que sempre mandam flores para quem estiver no poder.
E sempre na esperança de serem recompensados com um carinho aqui e outro ali. E
não precisa nem entrar em detalhes sobre o que estou falando. Basta ver quantos
enamorados vivem bajulando o poder em troca de uma aliança de compromisso, que
outra coisa não é senão manter-se ajoelhado a seus pés.
Ou algo como
Sinfrônio amava o PPS, que trocou pelo PMN, mas se apaixonou pelo PSDB. Depois
descobriu que amava o DEM, que logo desamou para amar o PSB. Não demorou muito
e desfez a relação por amor ao PT, que se mostrou desinteressante ao conhecer o
PSC. Mas depois de flertar com o PRB, PDT, PP, PRP e PV, acabou casando com a
REDE, que não tinha entrado na história.
Ou ainda,
Pedro amava Tião, que amava Josué, que não amava ninguém. Mas Pedro amou Josué,
que amou Zequinha, que amou Porcínio. Desamado, Josué amou Simão, que fingiu
amar todo mundo e jamais amou alguém. Novamente livre, Tião agora é amado por
outros pretendentes, que ainda não tinham entrado nessa história.
E agora o mais
importante. Usei os nomes acima para mostrar uma trama de amor e desamor que
bem diz respeito a nomes conhecidos da política sergipana. Basta ver quem amava
ontem e odeia hoje, e quem hoje é apaixonado por quem ontem odiava. Ou
vice-versa, pois dá tudo no mesmo. Ademais, com relação aos políticos, o título
dos poemas - “Quadrilha” e “Soneto da Fidelidade” - terá sido mera
coincidência.
Rangel Alves
da Costa, nascido em 1963, é natural de Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano
do São Francisco. É advogado e escritor, e reside em Aracaju. Já publicou os
seguintes livros: Estórias dos Quatro Ventos (crônicas), Memória Cativa – O
Sertão em Prosa e Verso, Sertão - Poesia e Prosa, Tempestade (romance), Ilha
das Flores (romance), Evangelho Segundo a Solidão (romance), Desconhecidos
(romance), Todo Inverso (poesias), Já Outono (poesias), Poesia Artesã
(poesias), Andante (poesias), O Livro das Palavras Tristes (crônicas), Crônicas
Sertanejas (crônicas), Crônicas de Sol Chovendo (crônicas), Três Contos de
Avoar (contos), A Solidão e a Árvore e outros contos (contos), Poço Redondo –
Relatos Sobre o Refúgio do Sol, Da Arte da Sobrevivência no Sertão, Estudos
Para Cordel (prosa rimada sobre o cordel). Participou também da coletânea
Gandavos - Contando outras histórias. Possui outros livros prontos para
publicação, dentre os quais Nas mãos de Deus: um romance de injustiça e Entre a
Ficção e a História - O Cangaço Imaginário. Colabora com artigos para o Jornal
do Dia, de Aracaju. Diversos sites também publicam seus textos.
Poeta
e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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