Por: Rangel Alves
da Costa(*)

SERTANEJA, A CIVILIZAÇÃO DECAPITADA
Tomei de
empréstimo, em parte, a C. W. Ceram o título acima consignado. Num dos
capítulos do famoso livro “Deuses, túmulos e sábios”, o arqueólogo e escritor
alemão cuida exatamente de uma civilização decapitada, mas a asteca, a partir
das investidas de Hernán Cortez, denominado por ele de Fernando Cortês, no novo
mundo.
Abordando
acerca da conquista do México a partir da destruição do grande império asteca,
diz Ceram, citando o filósofo Splengler sobre o abrupto e violento desaparecimento
daquela civilização: “Este é o único exemplo de uma civilização que teve morte
violenta. Não definhou, não foi sufocada ou detida em sua marcha de progresso:
foi assassinada em plena floração do seu desenvolvimento, destruída como um
girassol cuja flor é cortada por um homem que passa!”.
E por que
comparar a civilização sertaneja à civilização asteca, considerando que esta
desapareceu, enquanto império, diante da violência e da cobiça do conquistador,
e aquela continua persistindo, entre solavancos e recuos, nas vastidões
semiáridas nordestinas? Ora, inegavelmente que pelo aspecto sociológico, onde
se analisa a evolução de um povo e o freio de desenvolvimento a ela imposta,
não há que duvidar que a civilização sertaneja também foi decapitada.

Afirmo ser uma
civilização a sertaneja, ou a sociedade que floresceu desde os primeiros
desbravamentos dos sertões nordestinos, com base no próprio conceito de
civilização. Ora, tem-se esta como um processo evolutivo de uma sociedade,
desde o nascimento ao desenvolvimento cultural, político e econômico, dentre
outros aspectos. Assim, uma civilização engloba o estágio alcançado por
determinado povo na acumulação de riquezas e conhecimentos.
Tomando por
base a divisão feita por alguns antropólogos, a civilização sertaneja seria um
tipo de civilização regional, ou seja, formada dentro do contexto preexistente,
que é o nordestino, e considerando que o sertão é apenas uma parte da região
nordestina. Neste sentido, já dizia o historiador Capistrano de Abreu que no
Nordeste floresceu uma civilização do couro, e esta assente na região sertaneja
e sua formação baseada na pecuária e aonde quase tudo vinha ou dependia do
couro.
Ademais, é
sabido que a povoação nordestina se deu principalmente por meio do caminho das
águas, através do São Francisco, também conhecido como Rio dos Currais por ter
sido o responsável pelo transporte de animais no seu leito e das inúmeras
fazendas que foram surgindo nas suas margens. Espaço ainda hostil, sem dono,
serviu como curral para os primeiros rebanhos. O passo seguinte foi adentrar a
mataria interior para ali estabelecer criatórios e dar início ao povoamento
propriamente dito.
Civilização
com raça própria, a sertaneja, caracterizada pelo apego a terra enquanto meio
de produção, primeiro fez surgir a cultura da sobrevivência, para depois fazer
brotar suas manifestações culturais, políticas e econômicas. Daí que a
característica maior dessa civilização foi a superação dos desafios para se
estabelecer e progredir num meio tão hostil, pois emoldurado por secas,
dificuldades de toda ordem, distanciamento do outro Brasil mais adiante.

Entretanto, o
destino de superação jamais foi completamente alcançado por esta civilização.
Por um lado, se acabaram as escravizações oficiais do coronelismo e as
violências e ameaças dos grupos armados que às injustiças se contrapunham, por
outro lado permitiu a continuação das desigualdades sociais, do aumento da
pobreza e de outras mazelas sociais. E, o que se tornou mais gravoso, a
imposição de um processo de eterna dependência a outros centros e esferas de
poder.
Foi, pois, a
desumana dependência que ao sertão foi relegada que o tornou completamente
impedido de se desenvolver por suas próprias forças. Diferentemente de outros
centros regionais, o sertão passou a ser tratado como o mendigo que tem de se
contentar com qualquer esmola. Por conveniência governamental, agindo com
feição de bárbaro conquistador, aquela civilização parou no tempo e assim
permaneceu clamando favores.
Assim, a
decapitação da civilização sertaneja se deu a partir do instante que a ela não
foi concedido meios para se desenvolver pela força do seu próprio povo, com a
consequente imposição de uma aviltante dependência. O que tenderia a ser de
inigualável riqueza acabou se transformando num meio de penúria e de
sofrimento, de submissão e de uso para fins eleitoreiros. Decapitando a sua
força de progredir, decapitaram o seu desenvolvimento.
O que seria,
pois, uma civilização rica e poderosa, teve de se recolher à insignificância
perante os olhos dos governantes. Não mais um celeiro de engenhosa
produtividade e desenvolvimento a custa do trabalho incansável de sua gente,
mas tratada apenas como um depósito de pessoas que são chamadas a servir quando
precisam de votos.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
http://jmpminhasimpleshistorias.blogspot.com
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