quarta-feira, 28 de agosto de 2013

SERTANEJA, A CIVILIZAÇÃO DECAPITADA

Por: Rangel Alves da Costa(*)
ser tão/sertão

SERTANEJA, A CIVILIZAÇÃO DECAPITADA

Tomei de empréstimo, em parte, a C. W. Ceram o título acima consignado. Num dos capítulos do famoso livro “Deuses, túmulos e sábios”, o arqueólogo e escritor alemão cuida exatamente de uma civilização decapitada, mas a asteca, a partir das investidas de Hernán Cortez, denominado por ele de Fernando Cortês, no novo mundo.

Abordando acerca da conquista do México a partir da destruição do grande império asteca, diz Ceram, citando o filósofo Splengler sobre o abrupto e violento desaparecimento daquela civilização: “Este é o único exemplo de uma civilização que teve morte violenta. Não definhou, não foi sufocada ou detida em sua marcha de progresso: foi assassinada em plena floração do seu desenvolvimento, destruída como um girassol cuja flor é cortada por um homem que passa!”.

E por que comparar a civilização sertaneja à civilização asteca, considerando que esta desapareceu, enquanto império, diante da violência e da cobiça do conquistador, e aquela continua persistindo, entre solavancos e recuos, nas vastidões semiáridas nordestinas? Ora, inegavelmente que pelo aspecto sociológico, onde se analisa a evolução de um povo e o freio de desenvolvimento a ela imposta, não há que duvidar que a civilização sertaneja também foi decapitada.


Afirmo ser uma civilização a sertaneja, ou a sociedade que floresceu desde os primeiros desbravamentos dos sertões nordestinos, com base no próprio conceito de civilização. Ora, tem-se esta como um processo evolutivo de uma sociedade, desde o nascimento ao desenvolvimento cultural, político e econômico, dentre outros aspectos. Assim, uma civilização engloba o estágio alcançado por determinado povo na acumulação de riquezas e conhecimentos.

Tomando por base a divisão feita por alguns antropólogos, a civilização sertaneja seria um tipo de civilização regional, ou seja, formada dentro do contexto preexistente, que é o nordestino, e considerando que o sertão é apenas uma parte da região nordestina. Neste sentido, já dizia o historiador Capistrano de Abreu que no Nordeste floresceu uma civilização do couro, e esta assente na região sertaneja e sua formação baseada na pecuária e aonde quase tudo vinha ou dependia do couro.

Ademais, é sabido que a povoação nordestina se deu principalmente por meio do caminho das águas, através do São Francisco, também conhecido como Rio dos Currais por ter sido o responsável pelo transporte de animais no seu leito e das inúmeras fazendas que foram surgindo nas suas margens. Espaço ainda hostil, sem dono, serviu como curral para os primeiros rebanhos. O passo seguinte foi adentrar a mataria interior para ali estabelecer criatórios e dar início ao povoamento propriamente dito.

Civilização com raça própria, a sertaneja, caracterizada pelo apego a terra enquanto meio de produção, primeiro fez surgir a cultura da sobrevivência, para depois fazer brotar suas manifestações culturais, políticas e econômicas. Daí que a característica maior dessa civilização foi a superação dos desafios para se estabelecer e progredir num meio tão hostil, pois emoldurado por secas, dificuldades de toda ordem, distanciamento do outro Brasil mais adiante.


Entretanto, o destino de superação jamais foi completamente alcançado por esta civilização. Por um lado, se acabaram as escravizações oficiais do coronelismo e as violências e ameaças dos grupos armados que às injustiças se contrapunham, por outro lado permitiu a continuação das desigualdades sociais, do aumento da pobreza e de outras mazelas sociais. E, o que se tornou mais gravoso, a imposição de um processo de eterna dependência a outros centros e esferas de poder.

Foi, pois, a desumana dependência que ao sertão foi relegada que o tornou completamente impedido de se desenvolver por suas próprias forças. Diferentemente de outros centros regionais, o sertão passou a ser tratado como o mendigo que tem de se contentar com qualquer esmola. Por conveniência governamental, agindo com feição de bárbaro conquistador, aquela civilização parou no tempo e assim permaneceu clamando favores.

Assim, a decapitação da civilização sertaneja se deu a partir do instante que a ela não foi concedido meios para se desenvolver pela força do seu próprio povo, com a consequente imposição de uma aviltante dependência. O que tenderia a ser de inigualável riqueza acabou se transformando num meio de penúria e de sofrimento, de submissão e de uso para fins eleitoreiros. Decapitando a sua força de progredir, decapitaram o seu desenvolvimento.

O que seria, pois, uma civilização rica e poderosa, teve de se recolher à insignificância perante os olhos dos governantes. Não mais um celeiro de engenhosa produtividade e desenvolvimento a custa do trabalho incansável de sua gente, mas tratada apenas como um depósito de pessoas que são chamadas a servir quando precisam de votos.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
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