Por: Rangel Alves
da Costa(*)
O RETRATO DE TASLIMA AKHTER
Neste dia 09
de maio, o jornal Folha de São Paulo reproduziu uma das fotos mais comoventes e
estarrecedoras que já me deparei. Na imagem, a fotógrafa bengali Taslima Akhter
retrata um casal soterrado num desabamento ocorrido em Savar, Bangadlesh, no
último dia 24 de abril.
Emocionante,
chocante, de um realismo indescritível, é o que preliminarmente se pode dizer
da imagem que percorreu o mundo através das redes sociais. O que seria apenas
uma fotografia terrivelmente chocante de mais uma catástrofe, acabou se
transformando num poema de dor, de agonia, de desespero. E de amor.
Principalmente de incondicional amor.
Após um dia
inteiro de buscas, removendo toneladas de escombros, as equipes de socorro
chegaram à cena inimaginável: um casal abraçado na morte. Ainda sujos pelo
soterramento, um homem e uma mulher unidos naquele terrível instante.
Dois jovens,
talvez esposos ou namorados, mas de indiscutível afetividade. Pressentindo que
ela já estava morta ou em doloroso sofrimento, ele abraça-a, enlaça-a com seus
braços, e sobre o seu peito deita a sua cabeça, num gesto que outra coisa não
parece senão o de preferir morrer junto ao corpo amado.
Dois jovens,
ela de blusa avermelhada e ele de camisa em tom azulado, mas tudo tomado de
destroços e poeira. O corpo dela derreado para trás, com a cabeça inerte
estendida, e ele com as feições ainda muito definidas: semblante jovem, cabelo
escuro e curto, rosto esbranquiçado pela sujeira, de olhos fechados e algo
incrivelmente visível na sua feição. Parecendo ciente que iria morrer,
abraçou-se à amada numa ternura infinda. Sua mão esquerda chega adentrar a
blusa dela, tocando-a pelas costas.
A sua feição
não consegue dizer o contrário. Por estranho que possa parecer, mas a imagem
não mostra senão um rosto de uma pessoa consciente do que fazia, do extremo
gesto amoroso em momento tão desesperador. Ainda assim ele parece ternamente
feliz, tomado de um amor maior no mais difícil momento. E uma lágrima
escurecida parece escorrer dos olhos fechados do jovem.
Assim, mortos,
no mais comovente e trágico dos abraços, foram retratados por Taslima Akhter. E
a Folha de São Paulo reproduz suas palavras: "Quando eu vi o casal,
eu não pude acreditar. Eu me senti como se eu os conhecesse, eles se sentiram
muito próximos de mim. Olhei para o que eram os seus últimos momentos, já que
se uniram e tentaram salvar suas vidas queridas".
Não somente
isso, Taslima, não somente isso. A morte em si é um fato inaceitável, doloroso
demais para ser aceito em qualquer situação. Contudo, o que foi retratado se
mostra como um misto de perversidade, de atrocidade contra o ser humano. Ora, o
desabamento que deixou mais de 900 mortos e centenas de feridos ocorreu por
omissão das autoridades, por negligência de empresários e desenfreada ganância.
No prédio que
desabou funcionavam inúmeros cubículos onde pessoas se apinhavam para produzir
roupas de grife para exportação. Pessoas não, um arremedo de gente em situação
desumana e na semiescravidão que acabou perdendo a vida em nome da impiedosa
exploração capitalista. A tal da alienação e do envergonhamento da condição
humana.
E aqueles
dois, quem sabe cheios de planos para um futuro que jamais aconteceria,
acabaram sendo o retrato para a cruel moldura do mundo da ambição e da
desumanidade. Enterrados já estavam. Sob escombros já haviam sido jogados sem
flores nem piedade. Foram retirados dos entulhos e separados para um honroso
sepultamente. Certamente fizeram assim.
Mas não
deveriam. A fotografia de Taslima Akhter não deixa dúvidas de terem escolhido a
união até no momento da morte. E aquele abraço dado, um abraço tão apertado e
profundo, permanecerá como exemplo maior de que o amor se eterniza a partir de
um breve momento. Mesmo no desesperado instante da partida.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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